Carta Pastoral sobre o dom das Indulgências
A indulgência em ano jubilar
A alegria deve marcar a vida do cristão. Longe de ser uma vida dominada pela tristeza, a vida cristã é antes marcada pela alegria da fé, pelo júbilo da caridade, pelo ânimo da esperança. Com efeito, damo-nos conta de que, apesar do nosso pecado, somos presença e manifestação do amor de Deus, e a esperança coloca em nossos corações esta certeza: nós que, agora, nos sentimos unidos a Deus, havemos de contemplar plenamente a Sua Pessoa, por toda a eternidade; havemos de partilhar com Ele a luz e a Vida que dele dimanam; havemos de viver do seu Amor — de viver para sempre na verdadeira felicidade.
Mas, ao mesmo tempo que o júbilo dá força e coragem à nossa vida, não podemos deixar de reconhecer o mal que praticamos, e de viver na penitência por causa das consequências negativas que o nosso pecado faz surgir à sua volta.
1. A beleza da comunhão no Corpo de Cristo
Ao ressuscitar e ao derramar o Seu Espírito sobre os discípulos, Jesus criou no mundo e na história uma nova realidade: o seu Corpo que é a Igreja.
São Paulo foi talvez quem melhor intuiu a realidade e a vida deste corpo de Cristo: "Pois tal como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, sendo muitos, são um só corpo, assim também sucede com Cristo. De facto, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para sermos um só corpo. E a todos nos foi dado a beber um só Espírito. Com efeito, o corpo não é composto por um só membro, mas por muitos. […] Mas se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo. […] Assim, se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele" (1Cor 12,12-26).
O Concílio Vaticano II ensina que "todos os que são de Cristo e têm o seu Espírito" (LG 49) fazem parte do corpo de Cristo. Por isso, "estão unidos numa só Igreja e ligados uns aos outros nele" (LG 49). Ou seja: fazem parte do corpo de Cristo aqueles que ainda vivem sobre esta terra; aqueles que, tendo morrido, já se encontram a contemplar o rosto do Pai (os santos no céu); e aqueles que — mesmo depois da morte — ainda peregrinam, num processo de purificação até serem capazes de se encontrar plenamente face a face com Deus (purgatório). E recordemos ainda o ensino do Concílio Vaticano II que diz que mesmo "aqueles que ainda não receberam o Evangelho, estão de uma forma ou outra, orientados para o Povo de Deus" (LG 16).
Como ensina também o Concílio: "De modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, mas antes, segundo a constante fé da Igreja, é reforçada pela comunicação dos bens espirituais" (LG 49). E ainda: "Reconhecendo claramente esta comunicação de todo o corpo místico de Cristo, a Igreja dos que ainda peregrinam cultivou com muita piedade desde os primeiros tempos do cristianismo a memória dos defuntos e, «porque é coisa santa e salutar rezar pelos mortos, para que sejam absolvidos de seus pecados» (2Mac 12,46), por eles ofereceu também sufrágios" (LG 50).
Dramaticamente afastados do corpo e das suas alegrias, encontram-se aqueles que, por sua vontade livre e consciente, recusaram radicalmente Deus (inferno).
2. O pecado e as suas consequências
"Não faço o bem que quero, mas ponho em prática o mal que não quero" (Rom 7,19). O drama de S. Paulo é também o nosso. É um drama quotidiano. Fazemos diariamente muita coisa mal feita. Pecamos, mesmo quando tantas vezes nos propusemos a emenda de vida. Tristemente, o pecado habita também em nós que, no baptismo, fomos revestidos de Cristo. Com efeito, o baptismo exige de nós um constante exercício de liberdade, sem o qual Deus, apesar de bater à nossa porta, jamais entrará para fazer festa connosco (cf. Ap 3,20).
O pecado traz consigo muitas consequências. Não apenas interrompe a nossa comunhão com Deus, com os outros, com a natureza e até connosco mesmos, afastando-nos da salvação, como, não raras vezes, causa graves distúrbios à sua volta: são consequências para a vida dos outros; consequências para a nossa relação com Deus, que fica mais fragilizada; consequências para a própria comunidade, que se vê, assim, manchada e enfraquecida pelos nossos actos, pensamentos e omissões; consequências até para o próprio mundo criado.
O sacramento da penitência (a que chamamos também "confissão" ou "reconciliação") é essencial na nossa vida cristã porque nele, verdadeiramente, Deus nos perdoa o pecado. É um retomar da condição com que saímos das águas do Baptismo. "Os teus pecados foram perdoados", diz Jesus para aqueles que lhe pediam a cura de um enfermo (Mc 2,5). É uma afirmação verdadeiramente arrojada porque Jesus se coloca no lugar de Deus, perdoando pecados cometidos não só contra Deus mas também os pecados cometidos contra outros — ou seja: mostrando que é de verdade Deus no meio de nós.
Mas como podemos minorar os efeitos do pecado cometido e que permanecem na vida dos outros, na vida da Igreja, na natureza e na nossa própria vida, apesar do perdão de Deus? Por exemplo: se roubei devo devolver o que não é meu e compensar aquele a quem ofendi, deitando mão do que está ao meu alcance para reparar o mal cometido. Mas há situações em que já não é possível reparar o mal realizado: ele teve consequências (espirituais e materiais) que estão fora da minha capacidade de as reparar. Assim, devo realizar qualquer acção que esteja ao meu alcance e que, colocando-me diante de Deus, manifeste a minha intenção firme de reparar esse mal, pedindo ao Senhor por aqueles a quem prejudiquei gravemente.
É por isso que a Igreja coloca à nossa disposição o seu "tesouro espiritual" (sim, esse é o verdadeiro tesouro da Igreja, e nisso a Igreja é rica, fruto da santidade de Deus que se manifesta com abundância nos seus filhos): é a vida de Jesus, o seu sacrifício na cruz, fonte de infinitos méritos; é a vida imaculada da Virgem Maria; são as boas acções dos santos e dos cristãos do mundo inteiro das quais eu, pecador, posso participar devido à comunhão dos santos — e das quais posso fazer participantes aqueles que, tendo morrido, ainda se encaminham para a glória de Deus.
3. A vivência da indulgência jubilar
Esta realidade da indulgência (assim se chama esta atitude de quem procura reparar através de boas obras espirituais o mal que praticou ou que outros praticaram) marcou desde sempre a celebração dos jubileus. Já no primeiro jubileu, os fiéis pediam ao Papa que declarasse aquele ano de 1300 como um ano de particular e abundante misericórdia e perdão.
Também neste Jubileu 2025 o Papa Francisco abriu o tesouro espiritual da Igreja. Assim, pede aos fiéis que desejarem alcançar de Deus o dom da indulgência para si ou para alguém que já tenha falecido, que se dirijam em atitude de peregrinação a qualquer dos santuários jubilares, participando na Missa ou numa celebração da Palavra de Deus ou ainda na oração da Liturgia das Horas, ou fazendo a Via Sacra e que:
- se arrependam do pecado cometido, excluindo toda a afeição pelo mal;
- se deixem mover por um verdadeiro espírito de caridade;
- se deixem purificar por meio do sacramento da penitência;
- recebam a Sagrada Comunhão;
- rezem pelas intenções do Santo Padre (por exemplo, um Pai Nosso, uma Ave Maria).
As peregrinações aos santuários jubilares podem ainda ser substituídas pela participação em retiros e encontros de formação sobre os textos do Concílio Vaticano II ou do Catecismo da Igreja Católica; pela realização de Obras de Misericórdia (corporais ou espirituais), pela realização de atos de penitência, pelo apoio a obras de carácter religioso ou social, ou pela realização de obras de voluntariado que sejam de interesse comunitário.
O Jubileu de 2025 é, de verdade, um tempo de alegria, misericórdia e esperança. Não desperdicemos esta oportunidade que a Igreja oferece a todos.
Funchal, 20 de Janeiro de 2025
+ Nuno, Bispo do Funchal