Dia Diocesano da Família 2023

05-02-2023

Homilia de D. Nuno Brás nesta celebração

DIA DIOCESANO DA FAMÍLIA
Porto da Cruz, 05 de Fevereiro de 2023
"Vois sois o sal... vós sois a luz"

Aos seus discípulos - e, neste Dia Diocesano da Família ouso dizer, em particular às famílias da nossa Diocese -, o Senhor Jesus confia o encargo de sermos sal e luz.

Em primeiro lugar, Jesus dá-nos a responsabilidade de sermos sal. O sal, colocado na comida, não se vê, apenas se saboreia. Não é um ornamento que possa ser admirado ou escutado, que faça ruído ou dê nas vistas. É algo que actua, transformando de modo quase imperceptível, silencioso, todos os alimentos em que está presente. E, no entanto, apesar de ser assim discreto, dá aos alimentos um sabor único. Dá-lhes o gosto que distingue o alimento cozinhado por um mestre, daquele outro cozinhado por um principiante. Com efeito, na comida, o sal requere-se em justa medida: apenas um mestre, experiente e sábio, é capaz de cozinhar desse modo.

Para as nossas famílias, em que pode consistir o sal, senão na presença do Espírito Santo, esse verdadeiro "mestre" do Amor? Aliás, sabemos como o próprio Espírito é o Amor - essa é a grande definição do Espírito Santo!

É desse amor único, existente em Deus desde sempre, que o amor humano é imagem e semelhança. É esse Amor que, por meio de laços sobrenaturais, une as famílias cristãs, ao celebrarem e ao viverem em cada dia o sacramento do Matrimónio.

Certamente: todo o amor humano tem em si um quê de divino. É uma presença de Deus connosco; uma presença que nos convida a ir mais longe; uma presença que nos convida a nos transcendermos no que fazemos e (sobretudo) no que somos; uma presença que nos convida a olhar o outro e a reconhecê-lo como merecedor de toda a nossa entrega; uma presença que recusa qualquer tentação de domínio ou de redução do outro a um mero objecto à nossa disposição.

Mas, precisamente, o amor, quando não é reduzido à mera paixão (que traz consigo a vontade de domínio, de posse daquele que está perante nós), o amor convida a ir mais longe. E esse "longe" constitui a meta que nenhum ser humano se pode dar a si mesmo. Consiste em deixar que o amor possa ser envolvido, transformado, divinizado em todas as suas expressões (mesmo as carnais) nessa presença de Deus. E, por isso, esse "longe" está bem perto de cada um, de todos aqueles que acolhem a sabedoria do Espírito.

Somos - e, de um modo particular, sois vós, famílias cristãs desta nossa diocese do Funchal - convidados a ser o sal da terra. Tendes convosco, em cada momento, o Espírito de Deus, que vos assiste; que vos guia, que dá a cada instante da vossa existência (de alegria ou de sofrimento; de saúde ou de doença; de prosperidade fecunda ou de deserto difícil de atravessar) - que dá a cada momento da vossa existência uma característica nova porque divina. Aceitar essa presença quotidiana do Espírito de Deus no seio da vossa família é tarefa diária; é atitude consciente de abertura aos dons do Espírito; é batalha de sempre, tanto mais quanto o mundo que nos rodeia nos convida a nos olharmos e a olharmos o próximo de um modo simplesmente humano, demasiado humano e tão pouco divino!

Somos o sal da terra, que dá o justo sabor à existência, nossa e do mundo inteiro. Se ele faltar - se vierem a faltar as famílias cristãs - com que há-de salgar-se? Esse é o drama do nosso mundo. Vivemos entusiasmados pelas conquistas da técnica; assoberbados pelo ritmo alucinante de uma vida que nos impede a partilha uns com os outros; que nos recusa a verdadeira educação dos mais novos. Mas vivemos, tantas vezes, sem o sabor, sem a sabedoria do Espírito. Vivemos atarefados num mundo sem sabor, sem sabedoria.

Sem barulhos, dando um corajoso testemunho do que somos e daquele que nos habita, somos o sal da terra. Sem esse testemunho das famílias cristãs, como o nosso mundo ficaria sem sabor!

Mas o Senhor Jesus convida também os seus discípulos - convida-vos, de modo particular, a vós, famílias cristãs da nossa Diocese - a ser "luz do mundo".

Poderíamos, à partida, julgar que o Senhor nos convida a nos mostrarmos como exemplo para todos os demais; a iluminar com as nossas qualidades o mundo inteiro, a colocarmo-nos bem alto para que todos possam admirar a nossa bondade, as nossas capacidades, as nossas vitórias.

E, olhando para nós, colocando-nos perante a verdade do que somos, seríamos, sem dúvida alguma, levados a desistir. Afinal, não passamos de pobres pecadores, de homens e mulheres frágeis, inconstantes, tantas vezes derrotados. Não passamos de famílias incapazes de atingir os ideais sublimes que se tinham proposto. Afinal, que luz poderemos ser para o mundo?

Tenhamos, no entanto, a consciência de que Jesus não nos convida a mostrar o que somos e as nossas vitórias pessoais. A luz com que havemos de iluminar o mundo não é nossa: "para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus», diz o Senhor.

Jamais o discípulo, o cristão; jamais a família cristã; jamais a própria Igreja se há-de propor a si mesma como exemplo, para daí retirar qualquer elogio, qualquer proveito, qualquer admiração. Sempre há-de ser o Senhor Jesus a brilhar e a iluminar. Sempre há-de ser Ele a ser encontrado e glorificado.

Por isso, quando ousadamente nos mostramos perante todos, longe de nos acharmos melhores que os demais; ou possuidores de qualquer segredo mágico, esotérico, que nos faça distinguir do resto do mundo.

A luz de Cristo, há-de ser ela a brilhar no nosso rosto. Precisamente: mesmo no meio do nosso pecado e das nossas dificuldades; das nossas incapacidades; tantas vezes, através do contraste entre o barro que somos e o tesouro que mostramos e de que somos portadores, há-de brilhar brilhar, aparecer Deus.

A luz de Cristo, em primeiro lugar, ilumina o que somos, faz-nos conhecer a verdade do que vivemos: fará termos consciência das nossas falhas, e fará brilhar a presença do Espírito em nós, ajudando-nos a discernir os caminhos a tomar.

Mas, brilhando em nós, há-de também ser luz para os demais. A luz tem sempre consequências para o ambiente que a envolve. Faz parte das qualidades naturais da luz destruir a escuridão, as trevas exteriores. Fá-lo naturalmente, sem qualquer outro esforço, mas de um modo inevitável. A luz reflecte-se em tudo quanto ilumina. Impede que a sua fonte brilhe apenas para si. A luz é feita para os outros.

Quando Jesus nos diz que somos luz, isso significa que não podemos deixar de iluminar com a Sua Presença, todos quantos se encontram à nossa volta! Ou, para dizermos com o Papa Francisco: "discípulos missionários".

Não tenhamos medo nem vergonha de mostrar no nosso viver simples e frágil (porventura mesmo no meio do pecado e de tantas incapacidades) a luz poderosa de Cristo que habita a nossa vida, que habita o viver das nossas famílias. Deixemos que em nós brilhe a luz de Cristo!

"Se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, a tua luz brilhará na escuridão e a tua noite será como o meio-dia".