Dia do Pobre 2021

16-11-2021

DIA MUNDIAL DOS POBRES

(XXXIII Domingo TC - B)

Funchal, 14 de novembro de 2021


"Hão-de ver o Filho do Homem"

1. As leituras que acabam de ser proclamadas colocam-nos, uma vez mais, perante a figura de Jesus, o Filho do Homem. Ele é, de verdade, Aquele que, de uma vez por todas, como único e verdadeiro sacerdote, apresentou ao Pai o sacrifício perfeito e definitivo: ofereceu-se a si mesmo - Deus feito homem - como sacrifício capaz de perdoar os pecados da inteira humanidade de todos os tempos. E, assim, encontra-se à direita do Pai; e, com Ele, todos quantos foram santificados pelo seu sangue.

No evangelho, era este mesmo Senhor glorificado que garantia o seu regresso, no final dos tempos, com grande poder e glória - que o mesmo é dizer: como luz que ilumina o caminho, como amor que a todos convoca, como poder que decide com justiça. E isso significa, também: como luz que, iluminando as trevas, as julga e destrói; como amor que, a todos convocando, denuncia o ódio; como poder que, decidindo com justiça, mostra a desumanidade da injustiça e daqueles que, fazendo do poder uma ocasião para se auto-elevarem, de facto se condenam a si mesmos à destruição.

Assim, este regresso definitivo do Senhor Jesus, ao mesmo tempo que constitui o momento do juízo definitivo que distingue luz e trevas, amor e ódio, serviço e auto-glorificação, coloca definitivamente a salvação de Deus como palavra última da história.

Aquele que encontramos no evangelho como o Filho do Homem glorioso, diante de quem hão-de aparecer, de um modo claro, as qualidades e defeitos de todos, é o mesmo que percorreu, como verdadeiro pobre, as estradas poeirentas da Galileia. Nele se realiza a Bem-aventurança que resume todas as demais: "Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus" (Mt 5,3).

Aquele que "se despojou a si mesmo, assumindo a forma de servo" (Filp 2,7) vemo-lo agora elevado, na condição divina que lhe é própria. É em relação a Ele que toda a história, que qualquer ser humano percebe a sua verdade. É um pobre - melhor: é "o" pobre a palavra definitiva da história, a glorificação de Deus e do homem, o sentido final de toda a criação.

2. Na sua mensagem para este Dia Mundial do Pobre de 2021, o Papa Francisco chama precisamente a atenção para esta realidade: Jesus é o pobre que representa, que reúne e resume em si a vida, a existência de todos os pobres.

Para o sublinhar, o Papa recorda o gesto de uma mulher que, no evangelho de S. Marcos, irrompe numa refeição para ungir com perfume precioso os pés de Jesus.

Este é um gesto que provoca nalguns discípulos uma reação de condenação por causa da quantia despendida: "teria sido melhor vender o perfume e dar o dinheiro aos pobres".

No entanto, ao contrário dos discípulos, Jesus reage dum modo que poderíamos dizer "surpreendente": "Deixai-a. Porque estais a atormentá-la? Praticou em Mim uma boa ação»" (Mc 14,6). E acrescenta: "Sempre tereis pobres entre vós; a Mim nem sempre me tereis" (Mc 14,7).

Por seu lado, o Papa Francisco comenta esta atitude e estas palavras do Senhor: "Jesus recorda-lhes que Ele é o primeiro pobre, o mais pobre entre os pobres, porque os representa a todos. E é também em nome dos pobres, das pessoas abandonadas, marginalizadas e discriminadas, que o Filho de Deus aceita o gesto daquela mulher. Esta, com a sua sensibilidade feminina, demonstra ser a única que compreendeu o estado de espírito do Senhor".

De acordo com a narração evangélica, encontramos pois duas atitudes, bem diferentes, no confronto com Jesus, pobre: uma primeira, a dos discípulos, que procuram dar esmola; uma outra, a da mulher, que partilha, que faz sua a vida do pobre que é Jesus.

Diante destas duas atitudes e perante Jesus, pobre e humilde, não podemos deixar de nos interrogarmos: e nós como fazemos? Damos esmola ou partilhamos a vida?

O Papa Francisco convida-nos a partilhar a vida dos pobres. Diz o Santo Padre: "Jesus não só está do lado dos pobres, mas também partilha com eles a mesma sorte. Isto constitui também um forte ensinamento para os seus discípulos de todos os tempos. As suas palavras - «sempre tereis pobres entre vós» - pretendem indicar também isto: a sua presença [dos pobres] no meio de nós é constante. Contudo, não deve induzir àquela habituação que se torna indiferença, mas empenhar numa partilha de vida que não prevê delegações. Os pobres não são pessoas «exteriores» à comunidade, mas irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha, para abrandar o seu mal e a marginalização, e para que lhes seja devolvida a dignidade perdida, e garantida a necessária inclusão social. Aliás sabe-se que um gesto de beneficência pressupõe um benfeitor e um beneficiado, enquanto a partilha gera fraternidade. A esmola é ocasional, ao passo que a partilha é duradoura. A primeira corre o risco de gratificar quem a dá, e de humilhar quem a recebe, enquanto a segunda reforça a solidariedade e cria as premissas necessárias para se alcançar a justiça. Enfim os crentes, quando querem ver Jesus em pessoa e tocá-Lo com a mão, sabem onde dirigir-se: os pobres são sacramento de Cristo, representam a sua pessoa e apontam para Ele".

E o Papa termina: "Façamos nossas as palavras inflamadas do Padre Primo Mazzolari: «Gostaria de pedir-vos para não me perguntardes se existem pobres, quem são e quantos são, porque tenho receio que tais perguntas representem uma distração ou o pretexto para escapar duma específica indicação da consciência e do coração. (...) Os pobres, eu nunca os contei, porque não se podem contar: os pobres abraçam-se, não se contam» (Revista «Adesso», n.o 7, 15 de abril de 1949). Os pobres estão no meio de nós. Como seria evangélico, se pudéssemos dizer com toda a verdade: também nós somos pobres, porque só assim conseguiríamos realmente reconhecê-los e fazê-los tornar-se parte da nossa vida e instrumento de salvação".

Diante do pobre que é Jesus, qual é pois a nossa atitude? A de quem oferece uma esmola ou a de quem deseja, efectivamente, partilhar da sua existência?

+ Nuno, Bispo do Funchal