Homilia Abertura do Ano Pastoral 2024/2025

22-09-2024
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM (B)

Abertura do Ano Pastoral

Sé do Funchal, 22 de setembro de 2024

A palavra de Deus que acabámos de escutar é particularmente exigente para cada um de nós e para toda a comunidade diocesana. Na sequência do passado Domingo, o Senhor Jesus coloca o seu mistério pascal de morte e ressurreição no centro da vida cristã: e depois de anunciar a sua paixão e ressurreição, abraça uma criança, convidando os seus discípulos a viverem constantemente do dinamismo pascal e da radical atitude de serviço que ele faz nascer.

1. A cruz que o Senhor nos convida a tomar é bem diferente de uma fatalidade que nos venha por acaso a suceder. Tem, sobretudo, a ver com a exigência da fé, com a exigência de sermos discípulos de Jesus. Afirmava-o Dietrich Bonhoeffer: "A cruz não é uma adversidade ou um mero destino, mas é aquele sofrer que nos advém por causa dos nossos laços com Jesus Cristo. A cruz não é um sofrimento casual, é um sofrimento necessário. A cruz não é um sofrimento ligado à existência natural, mas ao ser cristão" (Sequela, 78).

Era esta realidade que os Doze (aquele embrião de Igreja que Jesus criou — que escutava, seguia e convivia com o próprio Senhor) não eram capazes de entender e viver, porque ela ultrapassa e torna inúteis os critérios de felicidade que o mundo nos propõe habitualmente: o sucesso, a vitória, a fama.

Ao propor a cruz como centro da nossa vida, Jesus convida a mudarmos completamente as perspectivas: Ele faz-se servo; faz-se um com os mais frágeis, com aqueles que não têm direitos. Por isso, o critério da vida do discípulo (o nosso critério de vida) passa a ser a sua identificação com a cruz de Jesus.

No passado Domingo, escutávamos Pedro que, depois de ter realizado a profissão de fé mais clara, concisa e exacta acerca de Jesus ("Tu és o Cristo"), se mostrava incapaz de aceitar que ser Cristo, ser Filho de Deus no seio da história, traz consigo, necessariamente, a cruz. Quer dizer, traz consigo não apenas um sofrimento causado pelas incompreensões do mundo (que, em definitivo, não é capaz de entender Deus e a loucura do seu amor); mas, sobretudo, um sofrimento causado pela realidade do pecador com que Deus se quer identificar ao fazer-se homem e ao viver entre nós: pecado individual e social; pecado que herdamos e pecado que cometemos; pecado que, de uma forma ou de outra, sempre traz consigo e gera a morte. São as consequências trágicas do pecado que Jesus assume plenamente ao morrer como servo: não espanta pois que morra na cruz, com a morte dos malditos, esmagado com o peso de todo o pecado humano de todos os tempos.

Se Pedro se mostrava incapaz de perceber este caminho e este critério, no trecho hoje proclamado os outros discípulos não nos aparecem com melhor compreensão: ei-los que discutem entre si sobre quem seria o maior, o primeiro, o melhor!…

Para os corrigir, Jesus identifica-se com uma criança — naquele tempo, um ser sem direitos nem valor. Jesus identifica-se com o mais pequeno, e identifica consigo o discípulo que se disponibiliza a viver desse modo, como servo: "Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou".

2. Contudo, no evangelho que escutámos, o anúncio realizado por Jesus não era, apenas, anúncio da Paixão e da cruz. Era, também, anúncio da ressurreição: "O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l'O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará".

E o evangelista comenta: "Os discípulos não compreendiam aquelas palavras". Não compreenderam naquele momento nem as compreenderam na manhã de Páscoa porque ainda não tinham a "sabedoria da cruz", como dirá S. Paulo.

Também nós, apesar de já termos escutado a proclamação da vitória da vida sobre a morte, jamais atingiremos aquela compreensão sem antes nos identificarmos vitalmente com a cruz de Jesus. Ou seja: sem nos identificarmos com o abandono à vontade do Pai; com o serviço aos irmãos até ao fim; com a entrega da própria vida. Apenas aquele que se deixa identificar com Jesus na cruz é capaz de olhar com esperança para a sua própria vida e para a vida do mundo.

O ser humano sonha sempre um mundo melhor. Mas a esperança não é um desejo ou um sonho: é a certeza de uma vida (a Vida Eterna), que apenas Deus nos pode oferecer porque consiste na própria vida divina.

É por isso que pouco nos importa que, a nós cristãos, discípulos de Jesus, nos tomem por fracos, tolos ou incapazes só porque não vivemos de acordo com o mundo e os seus critérios; só porque propomos um caminho alternativo às riquezas, à fama, ao poder. Sim: queremos e dispomo-nos a viver de um modo diferente. De um modo radicalmente diferente, porque Deus nos dá a certeza da ressurreição, da Vida Eterna. E Deus não desilude, não é infiel; sempre cumpre as suas promessas.

Isso mesmo o demonstrou ao ressuscitar Jesus: Aquele que rejeitaram; Aquele que crucificaram; Aquele que morreu e foi sepultado, esse mesmo ressuscitou. Morreu por nós (sofreu por nós a morte) e ressuscitou por nós e para nós. É a sua vida de ressurreição que vivemos desde o momento do nosso baptismo. E isso permite-nos viver de um modo novo. A Páscoa de Jesus imprime em nossos corações uma novidade radical que procuramos, em cada dia, viver sempre vez melhor.

Por isso, devemos tomar consciência de que a esperança cristã não é apenas algo dirigido para um futuro que ainda não existe. A esperança cristã é algo para ser vivido e para transformar o presente, a história, a nossa vida concreta.

3. Ao longo do Ano Pastoral que agora iniciamos, iremos celebrar com alegria jubilosa os 2025 anos do nascimento de Jesus. E nele somos convidados pelo Papa Francisco a "transbordar de esperança" — de esperança cristã, que de sonhos, promessas e ideais humanos já estamos desenganados.

Ao longo do ano, nas muitas actividades propostas, não deixaremos de testemunhar a "sabedoria da cruz", a única capaz de oferecer verdadeira esperança à humanidade (cf. Gal 6,14). Este é um caminho que não queremos apenas percorrer individualmente, mas que nos propomos realizar também como Igreja Diocesana, povo que caminha nestas Ilhas atlânticas.

Os acontecimentos do mundo — em nossa casa ou em terras distantes — quase nos convidam a desesperar. Querem matar-nos a esperança. Mas nós, cristãos, não podemos deixar de anunciar a Pessoa de Jesus, morto e ressuscitado. E, com Ele, a fonte de autêntica vida eterna, a verdadeira fonte da esperança.

Caro Marcos, hoje a Igreja confia-te solenemente o ministério do acolitado. Que o serviço ao altar faça crescer em ti a disponibilidade para o serviço a todos e ao próprio Deus. Sê, também tu, um constante anunciador da esperança — aquela virtude que nos permite erguer a cabeça, viver e ultrapassar (mesmo amar) todas as derrotas e sofrimentos porque em nós habita a certeza da ressurreição e da vida eterna.

+ Nuno, Bispo do Funchal