Homilia Beato Carlos D'Áustria

21-10-2024

BEATO CARLOS DE ÁUSTRIA

Igreja de Nossa Senhora do Monte

21 de Outubro de 2024

"Nós não temos de lutar contra adversários de carne e osso, mas contra os dominadores deste mundo de trevas"

1. No momento em que, neste nosso mundo — e, em particular, na Europa —, as armas fazem ouvir o seu ruído destruidor, pode parecer contraditório escutar a palavra do Apóstolo Paulo, segundo a qual "nós não temos de lutar contra adversários de carne e osso, mas contra os dominadores deste mundo de trevas" (Ef 6,12).

Com efeito, pode parecer que basta derrotar os homens fazedores do mal, fazer calar os mísseis e possibilitar a reconstrução das cidades destruídas para vivermos no melhor dos mundos: aquele que o homem, com a sua sabedoria, seria capaz de criar.

Mas sabemos que não é assim. Certamente: desejamos e esperamos, ansiosamente, o dia em que seja possível iniciar a reconstrução das cidades e, acima de tudo, a reconstrução daqueles povos que a guerra continua, ainda hoje a destruir. Esperamos o dia em que os homens deixem de fazer a guerra, deixem de provocar a morte e a destruição. Mas sabemos que esse dia, se não for acompanhado da conversão espiritual, será apenas um interregno, o prelúdio de outras guerras e destruições.

Bem mais profunda e causadora de maiores estragos é a nossa submissão ao mal, ao espírito do mal — sim: àquele que não se contenta em destruir o corpo mas procura igualmente — e sobretudo — destruir aquela realidade que nos permite aproximar de Deus: a alma.

Não tenhamos dúvidas: por detrás das guerras e da sua destruição — sejam elas grandes ou pequenas, mundiais, regionais ou pessoais —, está aquele que, fruto de uma sua livre escolha, preferiu a rebelião contra o Criador; o afastamento do amor divino, a recusa da vontade de Deus, induzindo homem a desobedecer (Catecismo da Igreja Católica, 394), e cuja realidade pecadora se tornou de tal forma grande que se viu transformado em inimigo de Deus e do homem.

Como tem afirmado várias vezes o Papa Francisco: "não pensemos que seja um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidar-nos e a ficar mais expostos. O demónio não precisa de nos possuir. Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, «como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar» (1 Ped 5, 8)" (Gaudete et exultate, 161).

2. Quando olhamos para os acontecimentos que antecederam a Primeira Guerra Mundial; quando nos damos conta como tudo se pareceu concentrar, cada vez mais, na vontade de fazer a guerra; quando esta era olhada como única solução para criar uma nova ordem no mundo — das estratégias das grandes potências às pequenas nações, do pensamento dos protagonistas ao sentir do povo simples; quando nos damos conta de teorias segundo as quais "a guerra era uma necessidade biológica" (F. Fejtö, 17); quando percebemos que, nos anos que a antecederam, muitos foram os que "fizeram o possível para evitar uma solução pacífica in extremis" (F. Fejtö, 38); quando tudo isto se concentra não podemos deixar de perceber a presença daquele mysterium iniquitatis que traz consigo e provoca morte e destruição, mentira e sofrimento.

Foi de verdade contra todos estes inimigos que o Beato Carlos teve a coragem de lutar. No dia seguinte a assumir as rédeas do governo, Carlos comprometeu-se, diante do seu povo: "Será minha preocupação infatigável promover o bem moral e espiritual dos meus povos, defender a liberdade e a ordem dos meus territórios, e assegurar para todos os membros ativos da sociedade os frutos de um trabalho honesto. Tudo farei para pôr fim, o mais depressa possível, aos horrores e aos sacrifícios da guerra, para voltar a oferecer aos meus povos o bem tão gravemente ofendido da paz" (M. Carotenuto, 30).

Uma vez mais, todas as tentativas de construir a paz foram, como sabemos, goradas. Um plano de paz a seguir ao outro, todos pareciam votados ao fracasso.

Todos pensavam ser possível a vitória esmagando e humilhando completamente o adversário. Uma vez mais, olhando à distância para todas aquelas tentativas fracassadas de construir a paz, e para o modo como os protagonistas internacionais, de um e outro lado, agiram e recusaram acolhê-las, não nos resta grandes dúvidas sobre o verdadeiro protagonista e instigador desse fracasso.

3. Vivemos hoje tempos muito semelhantes. Seja na Ucrânia, seja na Terra Santa, seja em Moçambique e em tantos outros territórios espalhados um pouco por todo o mundo. O mundo contemporâneo necessita de paz. O homem contemporâneo necessita de paz. Os pobres necessitam de paz.

É necessário que tenhamos a coragem da paz, porque apenas ela faz surgir a esperança e torna possível o diálogo e a reconciliação entre inimigos. É uma ilusão pensar que uma escalada nos conflitos possa resolver qualquer questão. É uma ilusão confiar-nos, a nós e ao mundo inteiro, à lei da vingança.

"Neste tempo em que a violência parece ser a única linguagem — afirmava há dias o Patriarca de Jerusalém, o Cardeal Pizzaballa — continuaremos a falar e a acreditar no perdão e na reconciliação. Neste tempo cheio de dor, queremos e continuaremos a usar palavras de consolação e a dar conforto concreto e incessante, ali onde a dor cresce". E acrescentava: "Mesmo que seja necessário recomeçar em cada dia; mesmo se podemos ser olhados como irrelevantes ou inúteis, continuaremos a ser fiéis ao amor que nos conquistou, e a ser pessoas novas em Cristo, aqui em Jerusalém, na Terra Santa e onde quer que nos encontremos" (Vigília de Oração, 7 de Outubro de 2024).

Necessitamos hoje de cristãos que assumam, decididamente, a armadura de Deus, de modo a poderem resistir no dia mau, e a perseverar firmes, superando todas as provas, como nos convidava S. Paulo. O Beato Carlos, incansável lutador da paz, nos obtenha essa graça.

+ Nuno, Bispo do Funchal