Homilia Dia de Natal
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR
Sé do Funchal, 25 de dezembro de 2024
"A vida humana floresce"
"O Verbo fez-se Carne e habitou entre nós". Porquê esta afirmação do evangelho de S. João se mostra, ainda hoje, tão cheia de novidade? Porquê esta tão curta afirmação se tornou um acontecimento grávido de consequências ao longo destes dois mil anos de história?
1. Em primeiro lugar, dizer que "O Verbo fez-se carne e habitou entre nós" mostra-nos quem é Deus. Poderíamos dizê-lo de outro modo: "O Amor fez-se carne e habitou entre nós". Assim, esta afirmação de S. João mostra, desde logo, que Deus se quer fazer encontrado por cada um de nós. Ele, que nos criou, que deseja que O conheçamos e que vivamos com Ele, não hesitou em fazer-Se carne em Jesus nascido no Presépio.
Deus bem sabe que nós, seres humanos, seríamos incapazes de O encontrar se Ele não se revelasse. Por isso — porque nos criou e cria por amor e apenas amor — não hesitou em tomar a iniciativa de vir ao nosso encontro. Fê-lo através da "Palavra" porque é por meio da palavra que os seres humanos comunicam. Fê-lo, em primeiro lugar, por meio da "palavra" da natureza. Fê-lo, depois, por meio da história (em particular da história do povo de Israel) e pela palavra dos Profetas. Mas, agora, "quando o tempo chegou ao seu termo", Deus revela-se por meio da Palavra que é um Homem, um acontecimento da história, Jesus de Nazaré.
Quando Deus se mostra — quando entra neste diálogo que é a revelação (falando-nos como um amigo fala com o seu amigo) — Ele corre sempre, conscientemente, o risco da fragilidade: seja a fragilidade da natureza (sempre à mercê daquilo que o ser humano faz dela); seja a fragilidade da palavra dos profetas (que pode ou não ser escutada); seja a fragilidade da carne, da vida humana (sujeita à destruição da morte). Deus mostra-Se como é (Ele é Amor que nos procura), e fá-lo completamente desarmado. Ele jamais se impõe: é sempre o fundamento e apelo à nossa liberdade.
Ao mostrar-se deste modo, Deus introduz na história humana uma lógica radicalmente nova em relação a tudo quanto, por nós mesmos, poderíamos pensar: Deus mostra-nos que a lógica do amor (e não a lógica do poder) é o verdadeiro segredo do universo, a chave da sua interpretação e do seu conhecimento; Deus mostra-nos que é a lógica do diálogo (e não a lógica da guerra e da violência) que pode conduzir o autêntico progresso do ser humano; Deus mostra-nos "a razão e a força do amor" como segredo de quanto existe.
2. No Natal, o Logos (o Verbo, o "Amor divino") faz-se carne e habita entre nós. Quando o reconhecemos, percebemos quem é Jesus. Na pessoa de Jesus de Nazaré encontramos sintetizada toda a verdadeira lógica do universo: o amor que se torna carne, que se faz um Homem — "este Homem" que é Jesus.
Sim: o Amor habitou entre nós, assumiu a carne, assumiu a vida de um Homem. Jesus tornou-se, deste modo, o ponto de referência de tudo quanto existe. Como escutávamos na IIª Leitura: "De muitas vezes e modos falou Deus outrora aos nossos pais pelos profetas. Nestes tempos que são os últimos, falou-nos por seu Filho". Em Jesus concentra-se toda a revelação divina. Nele encontramos o próprio Deus que se faz ver, escutar, tocar. Nele encontramos tudo quanto necessitamos para a nossa vida. Nele encontramos o Salvador.
Os primeiros concílios dirão: Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Verdadeiro Deus que se faz ver, que se apresenta frágil à nossa fragilidade, para que, vendo-o assim, desarmado e pobre, O possamos acolher no íntimo do nosso ser, deixando que nos converta, modifique, salve. E Jesus é, também, verdadeiro homem: não uma aparência, mas uma carne, um homem que se pode ouvir, ver, tocar; uma fragilidade sem pecado que, como homem (e ao contrário do Adão inicial) é todo acolhimento e obediência à vontade do Pai e aos irmãos: é o Filho.
3. Em terceiro lugar, a afirmação: "O Verbo fez-se carne e habitou entre nós" diz-nos quem somos. Com efeito, escutamos também que "O Verbo era a luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem".
Deus, ao mostrar-se em carne humana, mostra, desde logo, a dignidade da nossa carne (esta fragilidade mortal do que somos): a "carne humana" de Jesus é o lugar onde Deus se manifesta, onde faz brilhar o esplendor do Amor. É certo: a nossa carne é capaz do pecado, é capaz de se opor a Deus; mas, quando Deus se faz carne ("Em tudo igual a nós, excepto no pecado"), mostra como a nossa carne é, também, capaz de ser "Palavra de Deus".
Fazendo-se nosso irmão, partilhando connosco a verdade de ser Homem, Jesus de Nazaré, o Verbo de Deus, coloca diante de nós o ponto mais alto a que algum ser humano pode aspirar: partilhar a vida divina. Assim, a partir desse momento, essa passou a ser a meta de cada um de nós. Seria inatingível, não fosse o facto de o próprio Deus no-la oferecer de graça, dando-nos a possibilidade de aceitar este dom imenso que Deus nos faz.
Fazendo-se nosso irmão ao assumir a carne humana, Jesus Cristo, o Verbo de Deus, mostra a singular e excelente dignidade de todo e qualquer ser humano, de toda e qualquer vida humana (mesmo aquela que ainda não nasceu). Como afirma o Concílio Vaticano II: "Pela sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano"(GS 22). Ao fazê-lo, convida também cada um de nós a viver guiados por uma nova lógica, a lógica de Deus, a lógica do amor.
Alegremo-nos pois, irmãos: "o Verbo fez-se carne e habitou entre nós". Mostrou-nos Deus que é Amor; fez-se nosso irmão sem deixar de ser verdadeiro Deus; e, assim, lançou os fundamentos de um mundo novo. Deixemo-nos invadir por esta Boa Notícia e deixemo-nos transformar por ela. Santas festas de Natal para todos!
+ Nuno, Bispo do Funchal