Homilia Dia Mundial da Paz
![Foto de Duarte Gomes](https://72a09dd0b3.clvaw-cdnwnd.com/fccbff095b5c31a92f143950a72ecfc8/200003098-cc1b1cc1b2/D.NUNO-DIA-MUNDIAL-DA-PAZ8-1024x683.jpeg?ph=72a09dd0b3)
DIA MUNDIAL DA PAZ
SÉ, 1 de janeiro de 2025
Como escutámos, S. Lucas diz-nos que "Maria conservava todos estes acontecimentos [do nascimento de Jesus], meditando-os no seu coração".
O Leccionário português traduz por "meditar" o original grego symballó, que tem o significado de "erguer em conjunto", "confrontar", "encontrar o sentido" ou, ainda, "aprofundar".
Maria tudo medita, tudo relaciona, aprofunda o sentido dos acontecimentos. Fá-lo, certamente, com o seu pensamento, com a sua razão. Mas fá-lo, sobretudo, com o seu coração.
O coração, como recorda o Papa Francisco na sua recente encíclica, "une os fragmentos" (DN 17): "O coração é também capaz de unificar e harmonizar a própria história pessoal, que parece fragmentada em mil pedaços, mas na qual tudo pode adquirir sentido. É isso que — continua o Santo Padre — o Evangelho exprime no olhar de Maria, que olhava com o coração. Ela foi capaz de dialogar com as experiências que conservava, meditando-as no seu coração, dando-lhes tempo: simbolizando-as e guardando-as no seu interior para as recordar" (DN 19). Sem recusar a inteligência e a memória — Maria "guardava", "conservava" a memória dos acontecimentos —, a Virgem "pensava-os" também com o coração.
Maria, a Mãe de Jesus, mesmo depois do anúncio do Anjo; mesmo depois do "faça-se em mim segundo a tua palavra", necessita de fazer caminho. Necessita de procurar o sentido de tudo quanto lhe está a acontecer, ao seu Filho, à sua família.
Ela sente a necessidade de conjugar a pobreza, a pequenez, a fragilidade de Jesus com tudo quanto lhe dizem que foi comunicado pelos anjos: aquele Menino que dorme na manjedoura, será o Salvador, o Rei.
Maria procura, também, discernir o sentido destes acontecimentos — quer dizer: como é que cada um deles faz parte do todo. Como é que cada acontecimento (o seu noivado com José, o anúncio do Anjo, a visita a Isabel, o caminho realizado até Belém, o nascimento do Menino…) contribui para realizar o desígnio de Deus sobre ela e sobre todo o povo.
Para isso, Maria necessita de conjugar todos aqueles acontecimentos com as Escrituras: a promessa feita a David; o nascimento anunciado pelos profetas de um salvador, de um libertador… A esperança de todo o povo está a ser cumprida por Deus através e na sua vida concreta. Maria procura entender os acontecimentos da sua vida; procura compreender como a Palavra de Deus se cumpre na sua vida e na vida de todo o Israel.
Podemos dizer: o Coração de Maria é, verdadeiramente, um "coração desarmado" diante de Deus e da sua obra salvadora. Maria não deixa de ser protagonista da história de salvação. Mas é-o sem colocar entraves, filtros, condições à acção divina. A sua liberdade, longe de ser diminuída, alcança aqui toda a sua potencialidade.
Como afirma o Papa Francisco: se no coração "reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado sobretudo para o amor; é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado" (DN 21).
2. Não nos espantemos, portanto, que o mesmo Papa Francisco nos peça "um coração desarmado", como caminho para a paz. Na sua mensagem para este Dia Mundial da Paz, diz o Santo Padre: "Procuremos a verdadeira paz, que é dada por Deus a um coração desarmado: um coração que não se esforça por calcular o que é meu e o que é teu; um coração que dissolve o egoísmo para se dispor a ir ao encontro dos outros; um coração que não hesita em reconhecer-se devedor de Deus e que, por isso, está pronto para perdoar as dívidas que oprimem o próximo; um coração que supera o desânimo em relação ao futuro com a esperança de que cada pessoa é um bem para este mundo" (Mensagem, 13).
E ainda: "Desarmar o coração é um gesto que compromete a todos, do primeiro ao último, do pequeno ao grande, do rico ao pobre. Por vezes, é suficiente algo simples como «um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito». Com estes pequenos-grandes gestos, aproximamo-nos da meta da paz, e lá chegaremos mais depressa quanto mais, ao longo do caminho, ao lado dos nossos irmãos e irmãs reencontrados, descobrirmos que já mudámos em relação ao nosso ponto de partida. Com efeito, a paz não vem apenas com o fim da guerra, mas com o início de um mundo novo, um mundo no qual nos descobrimos diferentes, mais unidos e mais irmãos do que poderíamos imaginar" (Mensagem, 14).
Também nós necessitamos — tal como Nossa Senhora — de aprofundar, à luz da Palavra de Deus e da nossa relação com Jesus Cristo, os acontecimentos da nossa vida, da nossa história. Tal como Ela, façamo-lo "de coração desarmado", sem colocarmos filtros, reticências, condições ao que Deus nos pede. Esse é um caminho essencial para alcançarmos e construirmos a verdadeira paz.