Homilia Domingo de Páscoa 2024
SOLENIDADE DA RESSURREIÇÃO DO SENHOR
SÉ DO FUNCHAL, 31 de março de 2024
"E tu, que queres ser?"
1. Habitualmente, vivemos a nossa vida a partir daquela questão que sempre nos colocam em crianças: "E tu, quando fores grande, que queres ser?". O mesmo é dizer: planificamos e vivemos a nossa existência a partir dos nossos sonhos (ou dos sonhos dos nossos pais) e das nossas capacidades. Mesmo quando crescemos e passamos à idade adulta. Tudo é vivido e planificado a partir de nós. Nós e o mundo em que vivemos.
2. A ressurreição de Jesus convida-nos não apenas à alegria pela notícia de que um Homem ressuscitou e fez-se ver ressuscitado (se um entre nós ressuscitou já isso constitui uma boa notícia); ou de que todos somos convidados a ressuscitar com Ele (porque a nós que estávamos habituados a uma condenação à morte, essa notícia nos dá uma outra possibilidade de vida que desconhecíamos); mas, também, nos convida — podemos mesmo dizer que nos exige — a olhar a nossa vida a partir de uma outra perspectiva. Não terrena mas celeste.
Com efeito, se Jesus ressuscitou, a meta da nossa existência muda radicalmente. A eternidade (a ressurreição), não a ganhamos sendo célebres ou importantes, deixando a nossa marca de seres humanos — hoje dir-se-ia: a nossa pegada —, através da célebre tríade: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro…
A partir do momento em que Jesus ressuscitou e se fez encontrado pelos discípulos, a eternidade é-nos oferecida como perspectiva, horizonte, meta de toda a existência — nossa e do mundo que nos rodeia. E mais ainda: como força motora, capacidade, certeza, já agora, no hoje da nossa vida. Não porque a possamos construir (como poderíamos nós construir a eternidade?), mas porque ela nos é oferecida por Deus como graça em Jesus ressuscitado.
Assim, a partir da ressurreição de Jesus, a grande questão humana passou a ser: "como posso viver como ressuscitado?". Tudo o resto se mostra de menor importância. São Paulo dizia-o na IIª Leitura: "Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto… Afeiçoai-vos às coisas do alto, não às da terra… A vossa vida está escondida com Cristo em Deus" (Col 3,1-3).
Que me importa o muito que tenho, se me impede de viver como ressuscitado, de aspirar às coisas do alto? Que me importa o famoso que sou, se me impede de aspirar às coisas do alto? Que me importa o poder de que disponho, se me impede de aspirar às coisas do alto?
Fora qualquer coisa que teríamos de ser capazes de conquistar com as nossas forças, e poderíamos ser levados a desistir; ou a tentar obter a eternidade por outros meios. Mas, a nós, Deus apenas nos pede que nos deixemos moldar pelo seu amor, manifestado em Jesus de Nazaré, capaz de vencer a morte e o pecado e de nos deixarmos envolver pela sua novidade de Vida.
3. Sim. Necessitamos todos de escutar a notícia da ressurreição, uma vez mais, e outras tantas quantas necessário. Cada um de nós. Precisamos que esse hino de ressurreição entre em nós pelos nossos ouvidos e permaneça no nosso coração, para ser o princípio de uma vida nova.
A nossa Região necessita de escutar a notícia da ressurreição, tão ocupados que estamos com os afazeres do dia-a-dia, com as nossas tradições e o nosso desenvolvimento. O nosso país necessita de escutar a boa notícia da ressurreição, tão enrodilhado que está em pequenos conflitos de corte, incapaz de enfrentar os problemas sérios da vida dos seus cidadãos. A Europa necessita de escutar a boa notícia da ressurreição, afogada que se encontra na burocracia e nas ideologias que aprisionam. O mundo inteiro necessita de escutar a boa notícia da ressurreição, prisioneiro das guerras infindáveis, dos interesses internacionais, dos poderes não confessados.
A Boa notícia da ressurreição incomoda. Não nos deixa nunca ficar como estamos. Mostra o quanto precisamos de caminhar. Mas constitui o verdadeiro motor para uma nova fronteira do ser humano: não já "o homem que sabe" (o Homo sapiens); não apenas "o homem fabricador" de artefactos e de técnica (o Homo Faber), mas "o homem com Deus" (o Homo Divino, Jesus Cristo)!
Deixemo-nos envolver pela Boa Notícia pascal. Que uma vez mais, ela entre em toda a nossa vida e constitua uma seiva nova a dar vida eterna ao mundo inteiro.
+ Nuno, Bispo do Funchal