Homilia Jubileu das Famílias

JUBILEU DAS FAMÍLIAS
VI Domingo do Tempo Comum (C)
Calheta, 16 de fevereiro de 2025
"Felizes as famílias, porque nelas a felicidade nos procura"
1. Um grande estudioso da Bíblia (J. Dupont) afirmou que as Bem-aventuranças como que podiam ser resumidas na primeira de todas: "Felizes vós, os pobres, porque é vosso o Reino dos Céus" (Lc 6,20). Procuremos, por isso, o sentido desta primeira bem-aventurança.
a) "Felizes". O que é a felicidade? Todos queremos ser felizes e procuramos a felicidade: mas onde a podemos encontrar? Como a podemos viver? Como distingui-la duma felicidade passageira e superficial, do prazer?
O Catecismo da Igreja Católica ensina que a busca da felicidade "é de origem divina; Deus colocou a sede de felicidade no coração do homem para o atrair a Si, o único que a pode satisfazer" (1718). Quer dizer: a procura da felicidade — que nos faz trabalhar, viver, sonhar, caminhar, progredir — é algo de sobrenatural. Tem a sua origem em Deus, mesmo quando surge no coração de alguém que se diga ateu. S. Agostinho afirma: "Quando Te procuro, ó meu Deus, é a vida feliz que procuro" (Conf. X, 20,29). Portanto, quando procuramos a felicidade, queremos participar na vida de Deus. Mais: "Deus chama-nos à sua própria felicidade" (Cat. Igreja Católica, 1719). Partilhar a felicidade de Deus é pois o verdadeiro e grande conteúdo daquela primeira palavra: "Felizes".
b) "Felizes vós, os pobres". Os pobres são a multidão que Jesus tem diante de si e para quem fala. São a multidão que segue o Senhor para O ouvir e para ser curada.
A palavra grega πτωχοί (pobres) traduz a palavra hebraica 'ani, que se usa para falar "daquele que anda curvado": aquele que, sendo pobre do ponto de vista material, é também humilde, é dependente de outro (donde o conceito de "pobres em espírito" de S. Mateus). E, como diz o Antigo Testamento: "Vale mais o pobre que caminha na sua integridade que aquele rico de conduta perversa" (Prov 28,6).
Deus actua como um Rei justo e bom: cuida dos pobres de um modo particular, uma vez que os ricos possuem os meios suficientes para se impor. Por isso, os pobres são "os pobres do Senhor": gente desconhecida, anónima, sem direitos, e sem ninguém que cuide deles, a não ser o próprio Deus. Como canta Nossa Senhora no Magnificat: "Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias" (Lc 1,52-53). E como o próprio Jesus tinha proclamado na Sinagoga de Nazaré, citando o profeta Isaías (61,1-2): "O Espírito do Senhor está sobre Mim; Ele me enviou para anunciar a Boa Nova aos pobres" (Lc 4,18).
O pobre é aquele que, nada possuindo, se curva diante de Deus para nele encontrar a verdadeira e única riqueza da sua vida, a força e a rocha segura onde permanecer, ultrapassando a soberba e a auto-suficiência. Pobre é aquele que não se apoia nos bens que possui, no poder ou na riqueza, mas que confia em Deus.
c) "Felizes vós, os pobres, porque é vosso o Reino dos Céus". Esta é a Boa Nova que Jesus anuncia aos pobres, àqueles que O seguem, que são seus discípulos: "Sois felizes porque Deus cuida de vós". Parece que tudo e todos abandonaram os pobres. Jesus proclama: Deus jamais vos abandonará!
Como que dizendo: a vossa vida de dificuldades e sofrimento; a vossa vida, vivida curvada, tantas vezes na humilhação; a vossa vida é cuidada por Deus. O sofrimento e as necessidades que viveis não têm a última palavra. Deus tomará conta de vós com a ternura e o cuidado de um pai. Tomará conta de vós, com o poder e a justiça do Rei justo que cuida dos seus — de todos e de cada um.
Pobre é, portanto, aquele que diz: "Eu quero que Deus cuide de mim", e vive desse modo, confiando no Senhor. Pobre é aquele que recusa colocar a sua confiança no orgulho auto-suficiente, no que julga serem as suas capacidades, mas aceita viver a partir do Reino dos Céus.
2. Nós, cristãos, discípulos de Jesus, queremos aprender a ser pobres para sermos daquele grupo de quem Deus cuida dum modo particular, e por quem Ele manifesta a Sua particular ternura. Queremos aprender a depender apenas de Deus e não dos valores que o mundo agita diante de nós, tentando convencer-nos de que são vitoriosos — a fama, o dinheiro, o poder.
Nós, cristãos, queremos fazer parte do Reino dos Céus para que Deus cuide de nós e, desse modo, podermos ser felizes de verdade e para sempre. Percebemos, assim, S. Francisco de Assis e o seu amor à pobreza. Percebemos a felicidade que ele encontrava na pobreza, essa "senhora" que ele desposou para toda a sua vida, e que ensinou ao mundo do seu tempo.
Estamos habituados a procurarmos nós a felicidade. A lutar por ela com todas as nossas forças. Aos pobres, àqueles que colocam a sua esperança no Senhor, Jesus diz: o Reino dos Céus procura-vos; o Pai cuida de vós. A felicidade verdadeira e eterna vem ao vosso encontro.
3. Onde podemos aprender a ser pobres deste modo? Onde podemos aprender a confiar em Deus e não nas nossas capacidades? Onde podemos aprender que só somos verdadeiramente nós, em conjunto com o outro, respeitando-o e jamais tornando-o um objecto do nosso domínio e do nosso prazer?
Creio, queridos irmãos, que a resposta se torna hoje evidente. Olhando para vós que participais neste Jubileu, devo dizer como Jesus: "Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino dos Céus". Que é como quem diz: "Felizes as famílias, porque nelas a felicidade nos procura".
Com efeito, a família é o lugar onde, naturalmente, aprendemos a ser pobres. Onde aprendemos a confiar no pai e na mãe; onde aprendemos a viver com os irmãos e como irmãos; onde percebemos que, isoladamente e entregues apenas às nossas capacidades e à nossa sabedoria, jamais chegaremos ao lugar da verdadeira e eterna felicidade.
Na família, aprendemos a depender saudavelmente uns dos outros. Na família, aprendemos a construir-nos ao lado dos outros e a construí-los. Na família, aprendemos a ser humanos e cristãos.
É por isso que necessitamos tanto de cuidar das nossas famílias. Precisamos de cuidar delas para que, cada vez mais e melhor, se tornem esse santuário de humanidade e de fé onde podemos quase tocar a felicidade verdadeira.
Sabemos que hoje não é fácil a vida de uma família. Talvez nunca o tenha sido. E sabemos também que, neste mundo, não existem família ideais, perfeitas, completas — que, neste mundo, marcado pelo pecado, também a família é frágil e imperfeita.
Mas sabemos igualmente que, mesmo no meio de tantas dificuldade, foi na nossa família que tocámos aqueles momentos de felicidade que melhor se aproximam (e nos aproximam) do céu. Sim, "Felizes vós, os pobres, porque é vosso o Reino dos Céus"; "Felizes vós, as famílias onde Deus habita, porque nelas a felicidade nos procura".
+ Nuno, Bispo do Funchal