Homilia Jubileu dos Migrantes
JUBILEU DOS MIGRANTES
II Domingo do Tempo Comum (C)
Paróquia de São Vicente, 19 de janeiro de 2025
1. "Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não terei repouso". Diz-nos o Concílio Vaticano II que "Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente" (LG 9). Desse povo que é a Igreja, corpo de Cristo, era antecipação e figura o povo de Israel e também a própria cidade de Jerusalém.
Na Iª Leitura que escutámos, o Profeta Isaías, tendo presente a cidade sofredora de Jerusalém em que vivia, fala duma nova cidade, para onde todos os povos hão-de caminhar e onde todos encontrarão lugar. Longe de ser a cidade cercada ou reduzida a ruínas que Isaías conhece, Jerusalém é apresentada como a cidade para onde todos confluem e onde todos encontram lugar. O Profeta fala, portanto, de uma outra, uma nova Jerusalém!
Esta nova Jerusalém que reunirá todos os povos — já nesta expressão começamos a entender que não se trata de um mero destino geográfico! — será atraente não tanto pelas suas belezas naturais, cantadas justamente pelas Escrituras, mas por ter sido "desposada" pelo próprio Deus: "Receberás um nome novo, que a boca do Senhor designará. Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor, diadema real nas mãos do teu Deus. Não mais te chamarão «Abandonada», nem à tua terra «Deserta», mas hão de chamar-te «Predilecta» e à tua terra «Desposada», porque serás a predilecta do Senhor e a tua terra terá um esposo. Tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus".
É esta nova Jerusalém que S. João irá cantar no Livro do Apocalipse: "Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu esposo. E ouvi uma voz forte, que vinha do trono e dizia: «Eis a tenda de Deus entre os homens! Ele estabelecerá entre eles a sua tenda: eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles; será o seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos, e nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito; nunca mais haverá dor, porque o mundo de antes desapareceu» (Ap 21,2-4).
E o Concílio Vaticano II explica: "A Igreja, chamada «Jerusalém do alto» e «nossa mãe» (Gál. 4,26; cfr. Apoc. 12,17), é também descrita como esposa imaculada do Cordeiro imaculado (Apoc. 19,7; 21,2. 9; 22,17), a qual Cristo amou e por quem Se entregou, para a santificar» (Ef. 5, 25-26), uniu a Si por um indissolúvel vínculo, e sem cessar «alimenta e conserva» (Ef. 5,29) […]. Enquanto, na terra, a Igreja peregrina longe do Senhor (cfr. 2 Cor. 5,6), tem-se por exilada, buscando e saboreando as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, e onde a vida da Igreja está escondida com Cristo em Deus, até que apareça com seu esposo na glória (Cfr. Col. 3, 1-4)".
2. Assim, não nos pode espantar que S. Paulo, na IIª Leitura, nos fale da Igreja, Corpo de Cristo, sublinhando a diversidade de dons espirituais que, longe de serem causadores de discórdia ou divisão, são antes fruto da acção do Espírito Santo: "Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum" (1Cor 12,4-7).
A Igreja é, portanto, a nova Jerusalém de que falava o Profeta. É a esposa que o próprio Deus desposa. No tempo, a Igreja traz ainda consigo o pecado dos homens e mulheres que a constituem. Na eternidade ela resplandecerá perfeitamente a luz de Deus.
Na Igreja, a diversidade, longe de constituir um problema e um factor de discórdia, há-de antes ser olhada como um enriquecimento de todos, fruto do agir divino que, desse modo, vai abrindo o coração de todos, preparando-os para a riqueza da nova e definitiva Jerusalém do alto — ou, se quisermos, preparando-nos para o vinho novo, o vinho bom de que nos falava o evangelho, aquela realidade maravilhosa que já pré-saboreamos na Eucaristia, mas que havemos de saborear plenamente no Reino dos Céus, quando Cristo for tudo em todos.
Este dom do vinho novo, que é o próprio Cristo, simbolizado no "primeiro sinal" de Jesus nas Bodas de Caná, dá origem, quando é distribuído e acolhido por todos, não a uma distorção ou enfraquecimento do dom, mas a um enriquecimento em favor do bem comum: não se trata de uma fraqueza mas de uma riqueza. "É um só e o mesmo Espírito que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar; a um dá o poder de fazer milagres, a outro o de falar em nome de Deus; a um dá o discernimento dos espíritos, a outro o de falar diversas línguas, a outro o dom de as interpretar. Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto, distribuindo os dons a cada um conforme Lhe agrada", dizia-nos S. Paulo (1Cor 12, ).
3. Também aqui, hoje, nesta celebração do Jubileu dos Migrantes, encontramos uma expressão da catolicidade eclesial. Com efeito, a Igreja é católica, universal, porque traz consigo a totalidade dos bens necessários à salvação, traz consigo a expressão da Verdade que é o próprio Cristo que se faz dom para todos e em todos faz surgir, pelo Seu Espírito, a variedade dos dons.
Mas a Igreja é também católica, universal, porque se encontra espalhada pelo mundo inteiro — e em cada cultura (que o Espírito Santo não hesita em transformar de acordo com o Evangelho) encontra possibilidades de expressão. E esta diversidade, esta pluralidade de expressões, fruto do agir do Espírito do Senhor, enriquece a todos. Por isso, sempre nos sentimos em casa mesmo quando participamos na celebração da Eucaristia numa comunidade diferente da nossa. Pode ser uma realidade culturalmente diferente mas a fé é a mesma. Estamos entre irmãos. Partilhamos com eles a riqueza de como, nas nossas terras, se vive e expressa a mesma fé em Jesus Cristo.
Por isso, esta realidade dos migrantes que acolhemos e daqueles que daqui partem para um país diferente é, também, um enriquecimento da nossa Igreja Diocesana.
Neste sentido, a catolicidade da Igreja se diferencia da globalização. Esta tende a uniformizar tudo o que encontra: uniformiza modos de pensar, modos de expressão, linguagens, vida. Ao contrário, a catolicidade eclesial, encontrando-se na unidade da fé, sempre olha para a diversidade das expressões como um enriquecimento, fruto dos diversos dons que o Espírito Santo faz surgir e que distribui pelo mundo inteiro.
Neste Jubileu dos migrantes — dos emigrantes e do imigrantes — queremos dar graças a Deus pela diversidade e enriquecimento que todos estes dinamismos migratórios fazem surgir também nas nossas comunidades.
Se recordamos e temos presentes (como sempre) aqueles que deixaram a nossa terra e partiram em busca de melhores condições de vida, e nos diferentes países onde se encontram dão testemunho da fé e enriquecem as terras distantes com o nosso modo madeirense de celebrar e viver a fé cristã, temos igualmente presentes e agradecemos todos quantos batem à nossa porta e contribuem com o seu trabalho, as suas tradições e o seu modo de viver para o enriquecimento económico, cultural e cristão da nossa terra.
E pedimos a Deus que a todos nos mostre a alegria de ser Igreja, membros da nova Jerusalém — Igreja amada e desposada por Cristo; Igreja por quem Ele derramou o seu sangue; Igreja que é já aqui na terra início do mundo novo do céu.
+ Nuno, Bispo do Funchal