Homilia Jubileu dos Militares e Forças de Segurança

09-02-2025
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

Jubileu dos militares e Forças de Segurança

V Domingo do Tempo Comum (C)

Catedral do Funchal, 09 de fevereiro de 2025

1. "Ai de mim que sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros e os meus olhos viram o rei, Senhor do universo".

De acordo com o Antigo Testamento, o ser humano não poderia ver Deus e permanecer vivo. Com efeito, "ver" significa também "ser visto", "estar em presença". Para o ser humano, habituado ao pecado ("Um homem de lábios impuros que vive no meio de um povo de lábios impuros", como se confessa o Profeta), torna-se insuportável estar na presença do Deus santo: sucede-lhe como ao praticante de espeleologia que, depois de permanecer nas entranhas da terra durante vários dias, não é capaz de sair para a luz sem ficar sujeito à cegueira. Não espanta que o profeta, tendo contemplado a Deus, tema pela sua vida.

No entanto, o próprio Deus toma a iniciativa de colmatar a distância, de ultrapassar os medos de quem teme pela vida: um anjo purifica os lábios do Profeta com um carvão ardente — não apenas por causa do pecado cometido mas também em vista da missão que lhe iria ser confiada. "Quem enviarei? Quem irá por nós?", interroga o próprio Deus. E logo a disponibilidade do Profeta: "Eis-me aqui, podeis enviar-me".

2. Uma situação semelhante encontrávamos no evangelho. No início da sua vida pública, de manhã cedo, Jesus reúne à sua volta uma grande multidão, junto ao Lago de Genesaré. Vê dois barcos cujos pescadores lavam as redes depois de uma noite de trabalho infrutífero. Sobe para um deles (o de Simão) e pede-lhe que se afaste um pouco de terra para que todos possam ver e escutar a Sua palavra.

Esta proclamação da Palavra — intimamente unida ao próprio Jesus, pois que Ele é a Palavra — há-de ter impressionado os pescadores de tal forma que, no final do ensinamento, Jesus tem a ousadia de ordenar a Simão: "Faz-te ao largo e lança as redes para a pesca".

Como ousa um carpinteiro ordenar a um mestre de pesca que regresse ao mar depois de uma noite de trabalho em vão, e refaça os gestos que, inutilmente mas com esforço, tinha realizado durante tantas horas? E, no entanto, Simão obedece. Entre ele e Jesus, que escolhera a sua barca, a escuta do Mestre terá começado por fazer surgir uma admiração inicial e, depois, terá feito caminho até chegar à obediência da fé. Isso mesmo confessa Simão: "Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, na tua palavra lançarei as redes".

"Por causa da Tua Palavra". Quer dizer: "enraizado na Tua Palavra", tomando a Tua Palavra como base para o meu pensar e agir, mesmo sem compreender completamente, obedeço à Tua ordem e regressarei ao mar. "Assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se".

No espírito de Simão Pedro, tudo começou a ganhar um novo sentido: deu-se conta de que não estava na presença de um homem comum; que não estava apenas diante de um homem que falava bem sobre Deus e sobre a vida; que não estava só perante um profeta. Estava na presença do próprio Deus!

Sim: não era só o modo de falar com a multidão; não era apenas um carpinteiro que, com ousadia, dava ordens sobre a pesca a experimentados pescadores; não era a própria estranheza de ele, Simão Pedro, se dispor a obedecer a um mandamento estranho de um desconhecido… Era o próprio milagre, diante dos seus olhos e dos seus companheiros: uma pesca única, improvável, impossível. Deus ali, diante dele.

"Afasta-te de mim, que sou um homem pecador", diz Pedro, cheio daquele temor que é próprio do ser humano que reconhece a própria fraqueza quando se confronta com Deus. "Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens". "Deixaram tudo, e seguiram Jesus", diz o evangelista.

3. Assim é o início da fé cristã: interpelados pela palavra de Deus que nos chega das mais variadas formas (na vida da nossa família e da comunidade eclesial, na Sagrada Escritura…), eis que, também a nós, Jesus pede para entrar — não no nosso barco mas na intimidade do que somos, na nossa casa e no nosso coração, no nosso quotidiano. Diante de nós e a cada um, pede a obediência da fé. E o nosso agir cristão inicia-se precisamente aqui, quando somos capazes de Lhe responder pela primeira vez: "Sobre a tua palavra, lançarei as redes". A partir desse momento, passamos a viver, a construir toda a vida, em todos os seus domínios, assentes nesta "Palavra" do Senhor acolhida, vivida, feita nossa.

Neste Jubileu das Forças Armadas e de Segurança, perguntemo-nos, pois, como poderemos declinar, interpretar, viver a nossa vida como cristãos.

Recordemos que, desde o início do cristianismo, existiram cristãos membros das Forças Armadas e de Segurança. Basta lembrar o exemplo de S. Sebastião, comandante da Iª Companhia da Guarda Pretoriana, encarregado da segurança pessoal do Imperador Maximiano, em finais do séc. III, martirizado pela firmeza da fé mas também pela fidelidade ao seu Imperador. Mas recordemos igualmente a figura de S. Nuno de Santa Maria, Condestável de Portugal entre 1385-1431. Ou, ainda, Carlos de Áustria, que se destacou no comando de várias forças militares durante a Iª Guerra Mundial e (sobretudo) pelas suas iniciativas de construção da paz logo que assumiu as rédeas do Império Austro-Húngaro. E muitos outros poderíamos, ainda, invocar.

Não se trata, como é óbvio, de dizer santa uma guerra. Mas trata-se de reconhecer que, não raras vezes, é necessária a presença (e mesmo o uso) da força para assegurar a toda uma comunidade a vida na paz e na tranquilidade. E trata-se, igualmente, de reafirmar que uma comunidade tem o direito de defender as suas fronteiras, os seus cidadãos e o seu modo de vida, frente a agressões externas violentas.

Assim, as Forças Armadas e de Segurança são uma realidade indispensável para que o conjunto dos cidadãos possa viver, trabalhar, produzir, progredir. Sem essa garantia, não existe sociedade humana que se veja capaz de progresso, de trabalho na ordem, na tranquilidade e na cooperação. As Forças Armadas e de Segurança são uma realidade indispensável na construção da paz. Permito-me, por isso, indicar três linhas, que pretendem apenas ser sugestões de aprofundamento, essenciais para um militar cristão:

a) Em primeiro lugar, uma fé profundamente radicada: a vida da fé é um caminho que jamais está percorrido completamente enquanto peregrinarmos nesta terra. Somos sempre convidados a ir mais longe no conhecimento de Jesus e da sua Palavra.

b) Depois, o empenho moral: a todos importa crescer na consciência daquilo que torna ética uma escolha, no contexto sempre mutável do mundo contemporâneo, e de como as Forças Armadas constituem o suporte e garantia do Estado de Direito e dos Direitos Humanos;

c) Por fim, o aprofundamento do cumprimento do dever de serviço activo à Pátria e aos seus cidadãos.

"Quem hei-de enviar?". A prontidão da resposta do Profeta diante de Deus, a sua disponibilidade para o serviço, vejo-a também no rosto e na vida de todos vós que aqui estais. "Eis-me aqui": que Deus confirme e abençoe a vossa prontidão e disponibilidade para o seu serviço e para o serviço da nossa Pátria.

+ Nuno, Bispo do Funchal