Homilia Missa Crismal 2025

MISSA CRISMAL
Sé, 17 de abril de 2025
Anunciadores dum novo horizonte
1. Na Iª Leitura, o Profeta Isaías esboçava para os seus contemporâneos a figura do Messias e da sua missão: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a Boa Nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor" (Is 61,1-2). E o Profeta continuava, acrescentando acerca de todo o povo: "Sereis chamados «sacerdotes do Senhor» e «ministros do nosso Deus»". Ao fazê-lo, fazia-se eco daquilo que, já antes, o próprio Deus tinha anunciado: "Sereis para mim um reino de sacerdotes, uma nação santa" (Ex 19,6).
Estamos na presença de uma profecia, primeiro sobre a figura do Messias e, depois, acerca do seu povo. A ela se refere Jesus quando declara na Sinagoga de Nazaré: "Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir" (Lc 4,21).
O Messias cria para Si um povo. S. Pedro reconhece-o ao afirmar acerca da Igreja: "Sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido para anunciar os feitos admiráveis daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável" (1Ped 2,9).
Não nos espante pois que a celebração de hoje nos convide, em primeiro lugar, a tomar consciência de sermos membros da Igreja Santa de Deus, de fazermos parte do "povo sacerdotal".
Não devemos temer, caros irmãos, o uso destes adjectivos para falar da Igreja: eles são usados pela Escritura, como acabámos de recordar e, longe de se referirem a qualidades humanas de cada um ou do todo eclesial, reconhecem simplesmente — e é tanto! — que na Igreja se espelha a santidade de Deus. "Eu sou o Senhor vosso Deus; fostes santificados e vos tornastes santos porque Eu sou santo" (Lev 11,44).
Apesar da realidade do pecado e das insuficiências dos seus membros, Deus quis e quer estar presente no mundo por meio da Igreja. O pecado dos seus membros torna certamente mais difícil o acolhimento do Evangelho; mas jamais será capaz de manchar a santidade surpreendente que a adorna, porque esta vem de Deus e não dos homens, e para Ele flui incessantemente.
Com efeito, a Igreja é um povo que apenas faz sentido numa constante referência ao Senhor; numa dependência constante dele; numa ininterrupta indigência da sua graça. Sem Cristo Rei, deixará de ser povo de reis; sem Cristo Sacerdote, deixará de ser povo sacerdotal; sem Cristo, o Santo, deixará de ser nação santa. Não existe Igreja sem Jesus. Como afirmou o Papa Francisco: ficaria reduzida uma simples ONG piedosa.
2. É nossa missão, caros sacerdotes, recordá-lo constantemente. É nossa missão tornar presente esta permanente indigência eclesial: a Igreja necessita constantemente de Jesus Cristo e da sua ação salvadora; necessita dos seus sacramentos; não pode ser ela mesma sem a presença do Senhor. E — muito menos! — ser, por si, originadora da salvação.
Como todos os baptizados, nós os sacerdotes fazemos parte do povo sacerdotal; mas não recebemos do povo a missão nem a condição do sacerdócio ministerial. Não somos delegados do povo, apesar de o representarmos. Nem somos seus funcionários, apesar de estarmos ao seu serviço nas 24 horas do dia.
Somos presença de Jesus. Pecadores como os demais, somos — com eles e como eles — peregrinos de esperança, buscadores da plenitude do Reino. Como presença sacramental do Senhor, trazemos connosco o tesouro da graça divina, a oferta da salvação — mas trazemo-lo nos vasos de barro, com as nossas vidas, pecadoras e frágeis.
E, no entanto, somos presença do Senhor Jesus. Devemos manifestá-lo sem medo nem vergonha: somos presença daquele que serve, daquele que dá toda a sua vida, daquele que não se conforma com o mundo e com o seu modo de pensar; que não se deixa limitar pelos os seus critérios e com as suas escolhas. Somos presença daquele que é a esperança da humanidade e de cada ser humano, a esperança de todo o universo.
É nossa missão mostrar profeticamente o caminho que falta ainda percorrer a todo o povo e ao mundo inteiro; é nossa missão denunciar profeticamente os erros, as falhas, os caminhos desviados, os passos atrás, as injustiças; é nossa missão descontruir ideias feitas, preconceitos com que o mundo procura disfarçar e distrair de todos dos verdadeiros objectivos.
Mas, igualmente, é nossa missão acompanhar, encorajar, mostrar Cristo presente no meio do seu povo e do mundo, como oferta de salvação, como possibilidade de chegar à meta, como vida de Deus ao alcance de todos (mesmo de quantos se considerem mais pecadores).
3. De um modo particular neste Jubileu de 2025, eis-nos chamados a ser ministros da misericórdia divina e da esperança segura que o próprio Deus derrama no coração dos fiéis.
Como presença do Deus feito Homem, queremos ser, cada vez mais, anunciadores de humanidade. Que o mesmo é dizer: havemos de procurar a cura das feridas que tantos dos nossos irmãos ostentam no seu corpo e na sua alma — feridas de falta de humanidade; de incompreensões e de recusas; de ausências e de incapacidades; de injustiças e de mentiras.
Mas, sobretudo, havemos de procurar abrir, diante de todos, novos horizontes de vida. Havemos de mostrar como o aqui e agora é pouco para cada um e para todos; havemos de procurar dirigir o olhar do coração daqueles que nos estão confiados para o horizonte maior, infinito, de Deus; havemos de os convidar a ultrapassar a tristeza e a indefinição do horizonte do mar infinito, para os fazer encontrar Jesus Cristo, Senhor da nossa vida, em quem a humanidade encontra o seu ponto mais alto, o "caminho, verdade e vida".
Como presença daquele que quer levar o tempo à sua plenitude e em si reunir todas as coisas (cf. Ef 1,10), havemos de ser, cada vez mais, presença de comunhão. Neste mundo de gente solitária, havemos de ser construtores de verdadeira comunidade; neste mundo de egoísmos, havemos de ser anunciadores da felicidade de ser, viver e construir uns com os outros; neste mundo de somas e subtracções, havemos de mostrar que, uns com os outros e com o Senhor Jesus, multiplicamos e podemos muito mais que a soma das nossas capacidades.
Como presença da Graça divina, queremos ser sempre anunciadores de que, apesar de todas as limitações e falhas humanas, Deus torna possível não vivermos só das pequenas esperanças e sonhos que sempre se encontram na vida de todos, mas vivermos da esperança definitiva e final que oferece um sentido verdadeiro à vida de cada um e de todos, e que tem o nome de "Vida Eterna", quer dizer: partilha definitiva da vida com Deus. Por nós, com a nossas forças, tal não seria possível. Mas Deus pode realizá-lo em nós e em todos. E quer fazê-lo. E não existe nada de mais feliz que ser anunciador desta esperança última e da sua possibilidade.
Assim o Espírito Santo encontre em cada um e em todos a total disponibilidade para nos poder conduzir à consumação plena daquilo que já começou a realizar.
+Nuno, Bispo do Funchal