Homilia Missa da Ceia do Senhor

17-04-2025

MISSA DA CEIA DO SENHOR

Sé, 17 de abril de 2025

"Alimentados pela Eucaristia, podemos viver a esperança"

1. "Quando comerdes, tereis os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Comereis a toda a pressa: é a Páscoa do Senhor" (Ex 12,11).

A primeira Páscoa de Israel — aquela que precedeu a saída de Israel do Egipto — é comida "a toda a pressa", como alguém que está preparado, e que mal pode esperar pôr-se a caminho. A Páscoa é a refeição da partida, do êxodo. Todo o povo deve estar preparado para sair do Egipto: os rins cingidos, sandálias nos pés, cajado na mão.

A Páscoa é a refeição que antecede a grande peregrinação até ao Sinai e à Terra Prometida. Trata-se de deixar a terra do Egipto, marcada pela escravidão e pelos deuses estrangeiros, para caminhar em direcção à terra da liberdade e do encontro com o Deus único e verdadeiro.

Mas, ao mesmo tempo, a Páscoa é também, para todo o Israel, a garantia de que Deus faz a diferença entre o Egipto e Israel (cf. Ex 11,7). O próprio Deus passará nessa noite pascal para ferir os primogénitos dos egípcios, saltando as casas assinaladas com o sangue do cordeiro, onde o seu povo se encontra reunido, preparado para sair da terra da escravidão. Comer a Páscoa é, portanto, a garantia de que o povo pode deixar o Egipto e encaminhar-se para a Terra da Promessa: a ordem divina de comer apenas pães ázimos, sem o fermento dos pães velhos do Egipto, mostra isso mesmo: Deus quer dar origem ao novo povo da Aliança.

Por isso, em cada ano, Israel celebra a Páscoa: "Para que te lembres do dia da tua saída da terra do Egipto, todos os dias da tua vida", diz, ainda hoje, o ritual judaico da Páscoa.

2. A Última Ceia de Jesus é uma refeição pascal. Como todos os judeus do seu tempo e de hoje, também Jesus celebrou a Páscoa judaica com os seus. Mas, agora que a cruz se desenha mais claramente no horizonte próximo — S. João faz-se eco da extraordinária consciência do Senhor, quando nos diz: "Ao saber que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Jesus que amara os seus que estavam no mundo amou-os até ao fim" — agora que a cruz se aproxima, Jesus quer celebrar, de um modo todo particular e único, a Última Ceia. Ela ficará gravada dum modo indelével na memória dos Doze que nela participaram; mas, por meio deles, ficará gravada na vida de toda a Igreja, para todos os tempos. Dela e da Páscoa que ela antecipa vivem todas as Eucaristias que celebramos.

Daquela Última Ceia fazemos hoje particular celebração. Dos ritos pascais judaicos que a integraram restam-nos apenas alguns indícios (suficientes, no entanto, para nos ajudarem a perceber parte do significado do que sucede). É que a atenção (dos relatos evangélicos e nossa) é toda dirigida para Jesus e para o gestos únicos, singulares, marcantes, que realiza: "Tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim»".

Jesus inaugura, deste modo, uma nova Páscoa, um novo Êxodo. O alimento do povo peregrino não é já um animal mas o próprio Jesus, o "Cordeiro que tira o pecado do mundo". A Aliança não é já a que foi escrita por Moisés em tábuas de pedra, mas aquela Nova Aliança, prometida pelos profetas e inscrita pelo Espírito Santo no coração dos fiéis, selada no sangue de Jesus. A peregrinação não é já realizada a partir do Egipto mas a partir deste mundo velho e caduco, com os seus critérios egoístas e maus, os seus deuses, animado pelo "fermento da malícia e da maldade", como diz S. Paulo (1Cor 5,7), e dirige-se não para uma qualquer região da Terra, mas para o Céu, para a Vida Eterna que o Pai quer partilhar connosco. Que o mesmo é dizer: para a vida com Deus para sempre — Terra de todas as delícias e felicidades (a que melhor felicidade pode o ser humano aspirar que esta de participar da eternidade divina?). E o novo povo do Senhor chama-se hoje "Igreja", povo da Nova e definitiva Aliança que Deus selou no sangue de Seu Filho Jesus.

3. Nós que nos propomos caminhar, realizar o novo êxodo deste mundo para o Pai, podemos ter esperança de chegar à verdadeira Terra da Promessa, que é a vida com Deus?

Quando o povo de Deus saiu do Egipto, os rins cingidos, o cajado nas mãos, os pães ázimos eram sinal e garantia de que, saídos da terra estrangeira, chegariam ao Sinai e à Terra da Promessa. Agora é o próprio Jesus que se torna garantia e penhor da nova Terra Prometida, de que a primeira Terra da promessa era apenas um sinal distante.

A Eucaristia, corpo e sangue do Senhor, é pois a garantia que funda a nossa esperança. Ainda peregrinos na história, somos alimentados com o Pão da eternidade; ainda nesta terra, somos alimentados com o Pão do Céu; ainda marcados pelo nosso pecado, é-nos dado o "Pão dos Anjos". Sim, alimentados pela Eucaristia podemos viver a esperança, podemos ser "peregrinos de esperança".

Deixemos que a Eucaristia nos dê em cada dia a forma de Cristo, "caminho, verdade e vida". Que ela nos ajude a deixarmo-nos lavar os pés pelo Senhor, a purificarmo-nos por Ele, e a lavarmos os pés uns anos outros, como Ele mesmo nos convidou.

+ Nuno, Bispo do Funchal