Homilia Missa do Galo
SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR
Missa da Meia-Noite
Sé, 24 de dezembro de 2024
Vimos a sua glória: podemos ter esperança!
1. A espera de um salvador caracterizou, desde sempre, a humanidade. Foi, muitas vezes, uma esperança colocada em homens ou em organizações que actuavam como deuses, auto-proclamados messias, "vendedores de sonhos" — eram capazes de oferecer pequenas soluções, pontuais, para problemas menores; jamais foram capazes de responder à espera de uma felicidade inteira, duradoira, eterna.
Outras vezes, desiludidos desses salvadores, alguns disseram (e dizem) que devemos desistir de esperar a salvação: dizem que o salvador jamais chegará e que apenas poderemos sonhar com aquilo que conseguirmos fabricar por meio da ciência e da técnica. Ou, então, querem-nos condenar a um reino de imaginação e de sonho.
Contudo nós, seres humanos, não desistimos. Não desistimos de esperar porque a esperança faz parte da nossa humanidade. Não desistimos do céu, não desistimos da felicidade porque trazemos a sua sede alojada no nosso coração. É certo: estamos desenganados de homens que nos oferecem a salvação; estamos desenganados de nós mesmos e das nossas capacidades técnicas e científicas. Por isso, gritamos como Heidegger na sua derradeira entrevista: "Apenas um Deus nos pode salvar". Sim: apenas um Deus nos pode salvar!
2. Eco desta espera humana — mas, sobretudo, palavra de segura esperança vinda de Deus — a promessa de um Salvador adquiriu na história bíblica diferentes figuras: foi a promessa de um descendente da mulher, capaz de esmagar a cabeça do mal; foi a promessa de um novo Moisés, que falasse e conduzisse o povo a uma terra definitiva; foi um rei como David, um "filho" que governasse e conduzisse Israel; foi alguém semelhante a um "Filho do Homem", revestido de majestade e glória, critério de vida e justiça; e, também, um Servo, esmagado pelo sofrimento, que resumisse na sua pessoa o sofrimento vivido por todos… O Profeta Isaías resumiu bem esta atitude de espera: "«Sentinela, que vês na noite? Sentinela, que vês na noite?» E a sentinela responde:«Vem a manhã e também a noite. Se querem uma resposta voltem novamente»" (Is 21,11-12).
3. Mas, naquele primeiro dia de Natal, a esperança deixou de ser, apenas, olhar para o horizonte, para o futuro. A esperança de toda a humanidade adquiriu um nome, um rosto: é "aquele Menino que haveis de encontrar, envolto em panos e deitado na manjedoura".
Hoje como naquela noite, a sentinela divina regressa até nós com uma nova proclamação: "Nasceu hoje!". E como aqueles pastores, também nós nos erguemos e nos pomos a caminho. Mas, ao contrário do Antigo Testamento e dos homens sem Cristo, já não o fazemos às cegas: somos conduzidos pela luz que surge do Presépio.
Se regressamos a Belém para escutar, para ver, para adorar, uma e outra vez, o Menino que nasceu — se regressamos uma vez mais a Belém, é para nos deixarmos vencer pelo rosto do recém-nascido, tão inesperada continua a ser a notícia: um Deus Salvador que se faz Homem para mim, para ti e para todos; um Deus que nasce pobre numa manjedoura, adorado por simples pastores.
Sim, precisamos sempre — nós, a quem o pecado envelhece não apenas o corpo como, sobretudo, a alma — precisamos de regressar ao início, ao fundamento: é a condição para nos deixarmos renovar constantemente pelo Evangelho, pela Boa Notícia. Regressamos ao sucedido há 2024 anos porque esse acontecimento histórico nos oferece a garantia, a capacidade de olhar o horizonte com renovada frescura: certos da sua primeira vinda na história, podemos esperar a Sua vinda final. Corremos ao Presépio, e percebemo-lo entre nós. Sim, Ele está entre nós porque nasceu em Belém de Judá! Sim, Ele está entre nós, porque morreu em Jerusalém e porque, antes, tinha partido o Pão para os discípulos! Sim, Ele está entre nós!
Jamais se tinha escutado que um deus se tivesse feito homem. Mas se, há 2024 anos, Deus se fez Homem em Jesus de Nazaré, tal como anunciaram os Anjos e adoraram os pastores e os magos, então, podemos percebê-lo no meio de nós, a nascer nos nossos corações, na nossa família, na nossa comunidade!
E porque não havemos de O esperar como Palavra definitiva da história do universo? Sabemos que virá, na sua glória, para colocar um ponto final no tempo, iluminar definitivamente as trevas — aquelas do ódio, da guerra, do pecado — e para oferecer a todos o seu amor salvador.
Nesta noite, uma vez mais, também nós nos erguemos e caminhamos para o Presépio: vale a pena ir ao encontro do Menino e reconhecê-Lo. Nesta solenidade, 2024 anos depois, deixemo-nos inebriar pelos cânticos e pela luz divina que, ainda hoje, brotam do Presépio onde nasceu Jesus, e que aos nossos sentidos dão a certeza de que o Salvador nasceu para nós!
+ Nuno, Bispo do Funchal