Homilia Missa em Sufrágio pelo Papa Francisco

QUARTA FEIRA DA SEMANA PASCAL
Missa em sufrágio pelo Papa Francisco
Sé do Funchal, 23 de abril de 2025
"Nunca nos demos por mortos!"
1. "A liturgia cristã dos funerais é uma celebração do mistério pascal de Cristo": com esta afirmação clara e incisiva, logo a abrir a sua introdução, o ritual da Celebração das Exéquias pretende oferecer o tom geral ao funeral cristão: é uma celebração da Páscoa do Senhor.
Reconheçamos, no entanto, que hoje, ao sufragarmos a alma do Papa Francisco nesta Quarta-Feira da Páscoa — quando ressoam ainda os "Aleluia" da vitória de Jesus sobre a morte —, esse convite se torna bem mais concreto. Ainda no Domingo o víamos na varanda da Basílica de S. Pedro e na Praça, no meio dos fiéis, a partilhar com o mundo a alegria da ressurreição e as consequências que dela derivam. Algumas horas passadas, na segunda-feira de Páscoa, fomos surpreendidos pela notícia do seu falecimento, da sua "passagem para o Pai". Tudo envolvido neste acontecer concreto da Páscoa de Jesus.
Na verdade, a vida do cristão é sempre Páscoa. É sempre passagem deste mundo para o Pai, com Cristo e em Cristo: passagem duma terra de exílio para a comunhão plena com o Pai. E essa Páscoa é, por isso, fonte duma alegria verdadeira e perene. A ela nos convidou o Papa Francisco desde o início do seu pontificado. Dizia ele: "A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele, são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo renasce sem cessar a alegria"(Evangelium gaudium, 1).
2. Esta alegria pascal (vivida e demonstrada em tantos gestos e momentos que partilhámos com o Papa Francisco) já a víamos espelhada nas atitudes daqueles dois discípulos de Emaús, de que nos falava o evangelho.
Também eles passaram do desânimo e desespero à alegria do anúncio do Evangelho. O encontro com o Ressuscitado, que lhes oferecera o sentido das Escrituras e para eles tinha celebrado a Eucaristia, fê-los abrir os olhos do coração e da fé. Finalmente entendiam que a morte do Senhor na cruz fora "Páscoa", quer dizer: passagem para a ressurreição.
Quando iniciaram o caminho de volta a Emaús, aqueles dois homens regressavam isolados. Descrentes, vinham, porventura, amedrontados com o que sucedera em Jerusalém. Estavam, sobretudo, desiludidos dos sonhos que tiveram. Tinham deixado a comunidade dos discípulos; não foram capazes de escutar verdadeiramente o anúncio das mulheres; nem sequer conseguiram acolher a notícia do túmulo vazio e de perceber o seu significado.
Mas, por graça divina, não foram capazes de afastar aquele forasteiro que insistia em fazer caminho com eles. Deixaram que Ele lhes fosse revelando o sentido dos acontecimentos: o que sucedera em Jerusalém, o que estava escrito na Palavra de Deus e o significado do que acontecera para a sua vida. Convidaram o estranho — que, depois daquele caminho físico e também interior, estranho já não era! — convidaram-no a entrar em sua casa, a permanecer. Quando Ele celebrou para eles a Eucaristia, fez-se verdadeira luz e tudo ganhou um novo significado. É o que sucede quando nos deixamos encontrar pelo Senhor ressuscitado: Ele dá sentido à nossa vida, ontem como hoje.
Como dizia, também, o Papa Francisco: "Convido todo o cristão em qualquer lugar e situação em que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de o procurar dia a dia, sem cessar. […] Quem arrisca, o Senhor não o desilude; e quando alguém dá um pequeno passo em direcção a Jesus, descobre que Ele já aguardava, de braços abertos, a sua chegada" (EG 3).
3. "Não tenho ouro nem prata, mas dou-te o que tenho: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda". Estas palavras que acabámos de escutar na Iª Leitura, dirigidas por S. Pedro ao cego de nascença, bem poderiam ser colocadas na boca do seu sucessor, cuja alma hoje sufragamos, o Papa Francisco.
Pedro e João não possuíam ouro nem prata. Eram pobres pescadores da Galileia. Mas deram o que tinham: e o que tinham era tanto, porque era o próprio Jesus ressuscitado.
Alguém poderia ter imaginado que, num passe de mágica, os apóstolos tivessem feito surgir um cofre cheio de ouro, que resolvesse os problemas sociais e económicos daquele pobre coxo e da sua família. Não foi o que aconteceu. Em nome de Jesus o Nazareno, Pedro e João permitiram-lhe, apenas, que se erguesse e caminhasse. O mesmo é dizer: ofereceram àquele homem que apenas pedia algumas moedas, o grande dom, a riqueza da fé.
Diante dum mundo onde o ouro e a prata constituem o grande valor, devemos reconhecer que, nos nossos tempos, o Papa Francisco reinterpretou de modo admirável e profético a figura do "Pobre de Assis" e a própria figura de Cristo, indo ao encontro dos pobres e marginalizados, das "periferias" materiais e existenciais.
Foi a eles que o Papa quis anunciar o Evangelho, e foi com eles que quis anunciar o Evangelho. "Hoje e sempre, dizia o Papa Francisco, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho". E acrescentava: "Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida" (EG 48.49).
4. À humanidade do mundo inteiro, o Papa não hesitava em convidar: "Chegamos a ser plenamente humanos quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro". E acrescentava: "Quem deseja viver com dignidade e em plenitude não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem" (EG 8.9).
Hoje, damos graças a Deus pelo ministério, pela vida, pela pessoa do Papa Francisco. Intercedemos por ele e pedimos ao Pai que o acolha na sua glória. Pedimos também por nós, pela Igreja e pela humanidade inteira, para que saibamos fazer dos seus ensinamentos um tesouro, não a ser guardado mas partilhado, espalhado pelo mundo.
"Deus, dizia o Papa Francisco, nunca se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia. […] Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus, nunca nos demos por mortos, aconteça o que acontecer. Que nada possa mais que a sua vida que nos impele para a frente" (EG 3).
+ Nuno, Bispo do Funchal