Homilia na Bênção dos Finalistas

04-05-2019

Benção de finalistas universitários

III Domingo da Páscoa (Ano C)

Catedral do Funchal

1. Quero, em primeiro lugar, saudar-vos a vós, finalistas dos vários cursos universitários presentes na nossa ilha. Recordo, com alguma nostalgia, o momento em que, também eu, fui finalista e participei numa celebração como esta, em Lisboa, no já longínquo ano de 1985.

Esta saudação estende-se, como é óbvio, a todos os Professores e às próprias instituições de Ensino Superior da Madeira. E alarga-se ainda às famílias dos finalistas e a todos quantos lutaram e trabalharam com eles e os ajudaram a chegar a este dia.

Gostaria agora de vos propor dois simples pontos de reflexão, sugeridos pelas leituras que escutámos.

2. Na I leitura, os Apóstolos respondem às autoridades judaicas que os proibiam de falar sobre Jesus ressuscitado: "deve obedecer-se antes a Deus que aos homens".

Hoje (e, de uma forma particular, na nossa Ilha) parece que ninguém nos proíbe de falar acerca de Jesus. Devemos reconhecer que, de facto, existe na Madeira liberdade religiosa.

Mas não podemos deixar de reconhecer igualmente que hoje não está na moda um universitário falar sobre Jesus. E que aquele que ousa falar da fé, concretamente da fé cristã - e que ousa viver a fé - na Universidade e no mundo universitário, é olhado por tantos como "menor", como um "pobre que ainda dá espaço a ideias pouco racionais", um "coitado que deixou de estar na moda". Não estamos proibidos, pela lei, de dar testemunho mas, de facto, os cristãos são marginalizados.

Parece que Jesus ficou fora da Universidade. Parece que a fé deixou de pertencer ao pensamento, e de poder dialogar com a razão. Parece que a fé só tem a ver com o sentimento - e com o sentimento individual, o segredo de cada um. E que, por isso, deve ficar fora da conversa de café, da reflexão e do ensino superior. Que poderá ter a fé a ver com a engenharia, a economia e gestão, a biologia, a enfermagem e a medicina? Não será apenas um apartado sentimental que cada um vive como quer?

E, no entanto, a história da própria universidade é a prova de que fé e razão não podem deixar de se encontrar. A universidade nasceu para que este diálogo tivesse lugar; para que existisse um lugar de diálogo entre o universo dos saberes, e destes com a fé. A fé não pode deixar de pensar: ela envolve todo o ser humano, e, portanto, também a razão. A fé coloca ao pensamento (qualquer que ele seja - matemático-científico, filosófico ou que se encontre na base de qualquer outra ciência) interrogações sérias e fecundas.

E, para além disso, todos os saberes se encontram no homem: naquele mesmo homem concreto que acredita e pensa, que vive.

Não podemos nós, cristãos e universitários, deixar de contar com a fé na nossa vida de investigação, de leccionação ou de simples desempenho de uma profissão.

Também aqui, como outrora os Apóstolos diante dos judeus, cabe dizer: "deve obedecer-se antes a Deus que aos homens". Ou, como responderam os apóstolos noutra ocasião: "Não podemos deixar de falar acerca do que vimos e ouvimos" (At 4,20). Não podemos deixar de falar e de pensar acerca do que vivemos.

3. Na leitura do evangelho, escutávamos mais uma narração dum encontro surpreendente entre Jesus ressuscitado e os seus discípulos. Tão surpreendente que os discípulos tiveram uma dificuldade inicial em reconhecer o Senhor. Foi a presença do Ressuscitado que se impôs - que se lhes impôs!

É este Jesus ressuscitado que recorda a Pedro e aos outros discípulos que tinham recebido a missão de serem pescadores de homens (cf. Lc 5,10). E que, por isso, não podiam regressar simplesmente à vida anterior, à sua profissão, como se não tivessem passado pela Páscoa, pela morte e ressurreição de Jesus. Eles eram pescadores de homens. Deviam anunciar a ressurreição a todos. Porque todos os seres humanos são chamados por Deus à fé, quer dizer: ao encontro com Jesus ressuscitado. E a deixar que esse encontro dê luz, razões e razão à sua vida.

153 grandes peixes! As diversas interpretações deste texto, notam todas elas a exactidão do número, e interrogam-se acerca do seu significado. Mas todas convergem num sentido: trata-se de dar a entender uma plenitude, a plenitude daqueles que serão, no final, os discípulos do Senhor, quer dizer: toda a humanidade.

E não posso deixar de partilhar convosco uma passagem da homilia do Papa Bento XVI no dia 24 de Abril de 2005, quando iniciou o seu ministério de sucessor de Pedro. Dizia o Papa: "para o peixe, criado para a água, é mortal ser tirado para fora do mar. Ele é privado do seu elemento vital para servir de alimento ao homem. Mas na missão do pescador de homens acontece o contrário. Nós homens vivemos alienados, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; num mar de obscuridade sem luz. A rede do Evangelho tira-nos para fora das águas da morte e conduz-nos ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. É precisamente assim na missão de pescador de homens, no seguimento de Cristo: é necessário conduzir os homens para fora do mar salgado de todas as alienações, rumo à terra da vida, rumo à luz de Deus. É precisamente assim: nós existimos para mostrar Deus aos homens. E só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida. Só quando encontramos em Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida. Não somos o produto casual e sem sentido da evolução. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é querido, cada um de nós é amado, cada um é necessário. Não há nada mais belo do que ser alcançados, surpreendidos pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar com os outros a Sua amizade" (Bento XVI, 24 de Abril de 2005).

Caros finalistas

Os parabéns de hoje são-vos devidos. Mas, com eles, vem também uma responsabilidade: a de, com o curso que agora terminais, servir o próximo e o mundo inteiro. Que o saber não vos sirva apenas para conseguir uma vida de bem-estar material; que ele sirva também para ajudar o mundo. E que, na vossa profissão, qualquer que ela seja, sejais capazes de assumir a atitude dos discípulos: "Vale mais obedecer a Deus que aos homens", dando testemunho da fé, na certeza de que apenas com Deus o ser humano pode ser feliz.

+ Nuno, Bispo do Funchal