Pentecostes
DOMINGO DO PENTECOSTES
Sé do Funchal, 23 de maio de 2021
"Proclamar em nossas línguas as maravilhas de Deus" (Act 2,11)
1. De acordo com S. Lucas (o autor do Livro dos Actos dos Apóstolos), os habitantes de Jerusalém e toda a multidão de peregrinos, vindos do mundo inteiro, ficaram admirados ao ver aqueles pobres e ignorantes pescadores da Galileia a falar, entusiasmados, e a proclamar as maravilhas de Deus, de modo que todos os conseguiam entender, apesar das suas diferentes línguas.
O Espírito Santo entrou na vida dos discípulos como uma surpresa. "De repente" - diz S. Lucas, para contrastar com o "estavam todos reunidos no mesmo lugar", que tinha anteriormente referido.
Esta surpresa do Espírito desarrumou a situação de cada um e de todos quantos ali se encontravam: a primeira comunidade de Jerusalém. Era um ruído, e era também um vendaval impetuoso que desalinhou o coração dos discípulos e toda a casa onde se encontravam. E era ainda um fogo, um incêndio, que poisou sobre cada um e preencheu o seu coração. Ficaram cheios do Espírito Santo, e viram-se urgidos a sair, a falar, a expressar-se na língua de quantos os escutavam. Como poderiam permanecer parados no mesmo lugar? Como poderiam ficar calados? Mesmo os tímidos, aqueles que habitualmente não sabiam que dizer ou que fazer! Falando em nome de todos, S. Pedro haveria de afirmar pouco depois: "Estes homens não estão embriagados, como pensais, pois são apenas 9 horas da manhã" (Act 2,15).
O Espírito Santo é surpreendente. Naquele tempo como hoje. Surpreende, porque é Deus que vem ao nosso encontro!
Mas precisamos de nos deixar surpreender. De ter a capacidade de nos deixar surpreender. "Volta a olhar o mundo pela primeira vez", convida um cântico bastante conhecido entre os jovens. Esta capacidade de olhar, de viver tudo como a primeira vez, de nos deixarmos surpreender, é essencial para percebermos Deus que vem ao nosso encontro.
Imagina que chegas agora a este nosso mundo. Qual seria a tua primeira reação? Que maravilha! Que maravilha as pessoas; que maravilha a natureza; que maravilha as construções humanas; que maravilha a vida; que maravilha o modo como tudo existe... Que maravilha!
Não podemos perder esta capacidade de nos maravilhar. Só aquele que se deixa surpreender e maravilhar é capaz de dar sentido ao mundo, e de o transformar. Só ele é capaz de dar um novo impulso à vida. Só ele é capaz de descobrir, no meio deste mundo, tão rotineiro e de velhas ideias feitas, aquela realidade única, nova, que transforma e liberta.
Aquele que perdeu esta capacidade de se admirar, de se deixar surpreender, perdeu também a capacidade de dar atenção àquela realidade que, embora parecendo pequena aos olhos de todos - insignificante mesmo - traz consigo a novidade verdadeira. "Privados da admiração, ficamos surdos para o sublime", gostava de dizer, no século passado, o pensador judeu Abraham Heschel.
Só aquele que tem a capacidade de se deixar maravilhar, surpreender pela realidade e pelo mundo é também capaz de perceber Deus na sua vida. Só esse é capaz de se deixar encontrar por Deus. De se deixar surpreender pelo Espírito de Deus que é o Espírito Santo. Só ele é capaz de perceber as maravilhas de Deus na sua vida.
2. Mas as maravilhas de Deus eram proclamadas naquele dia em Jerusalém por aqueles primeiros discípulos, cheios do Espírito Santo, de modo tal que aquilo que diziam podia ser entendido por cada judeu que estava em Jerusalém, apesar de provirem de mundos e de culturas tão diferentes. Aqueles pobres pescadores da Galileia faziam-se compreender por gente que, apesar de partilharem da mesma fé, vinham de mundos culturais tão diferentes como os habitantes da Mesopotâmia e os da Líbia, da Ásia ou colonos de Roma.
O Espírito Santo não ultrapassa apenas as paredes. Não ultrapassa apenas o medo dos discípulos. Ultrapassa também as barreiras culturais. Porque a salvação é para todos, e Jesus quer chegar ao coração de todos, quem quer que seja, qualquer que seja a sua condição.
Não é uma capacidade humana. É possibilidade, maravilha, do Espírito Santo. E sabemos, pela história, como esta compreensão do Evangelho em cada cultura se tornou numa rápida realidade. De Jerusalém, o Evangelho partiu. Chegou a Antioquia e ao Egipto. Pouco tempo depois já o encontramos em Roma e, logo depois, o encontramos também na Península Ibérica - o fim do mundo para os homens do Mediterrâneo do séc. I.
E aquilo que sucedeu nos primeiros séculos voltou a repetir-se no tempo das descobertas: e o Evangelho chegou à África e falou aos africanos; chegou à Índia e falou aos indianos; e ao Japão e a Timor... Já não eram os discípulos dos primeiros tempos - aqueles que tinham partilhado aqueles três anos com Jesus - a percorrer os caminhos empoeirados da Galileia. Eram portugueses, espanhóis... europeus que, quinze séculos depois, partiam para terras desconhecidas e se faziam entender por quantos encontravam. Mas era o mesmo Espírito Santo que, surpreendentemente, agia, urgia, transformava.
Hoje, o Evangelho chegou ao mundo inteiro. Há cristãos em todos os recantos do globo. Mas hoje o Evangelho precisa de continuar a falar. Precisa de falar às escolas - a alunos e professores. Precisa de falar ao mundo da tecnologia e da ciência. Precisa de falar ao mundo do divertimento, do desporto e da família. Precisa de falar ao mundo da política, da comunicação e das empresas.
E o mundo de hoje precisa de escutar, nas suas diferentes linguagens, a Boa Notícia de Jesus.
Hoje, como no dia de Pentecostes, o Espírito Santo desce sobre nós. De modo particular, desce sobre aqueles que vão receber o sacramento do crisma. Enche o nosso coração e urge em nós. Como naquela primeira manhã de Pentecostes, o Espírito Santo envia-nos a proclamar, nas diferentes línguas, nos diferentes meios e nas diferentes culturas as maravilhas de Deus.