20 fevereiro 20

20-02-2020


Ajoelhamos, hoje, as nossas palavras, aos pés do altar. Connosco, a memória de um dia que foi noite, porque rebentaram as águas à montanha e a natureza mostrou a sua força.

Nesse dia de luto e de silêncios, ou de gritos enterrados na lama, a imagem da Senhora da Conceição, que sobreviveu aos destroços da Capela das Babosas, acendeu a esperança e fez acreditar que a mão de Deus havia de permitir que a chuva parasse, que mais ninguém se perdesse, que a vida retomasse o seu curso.

Hoje, dez anos depois daquele dia, a memória e a gratidão. Sabemos como são fracas as paredes basálticas da nossa terra. Mas sabemos também que há mãos que sabem como sustê-las. Conhecemos bem como arde a água no peito de quem vive na beirinha da terra. Mas conhecemos também a sede do chão que a conduz aos alicerces das árvores. Sabemos bem a cor do medo de quem já viu a maré levar às costas o que é seu. Mas sabemos também que há braços que seguram as casas e as impedem de voltar a morrer.

Com os nossos olhos presos à Cruz, à mesma cruz que suportou o peso de quem somos, agradecemos a esperança. E a vida. E pedimos juntos por aqueles que perderam o que tinham, que perderam quem tinham, que perderam quem eram, antes daquele dia.

Ajoelhamos, hoje, as nossas palavras, aos pés do altar. E deixamos que o silêncio, o verdadeiro silêncio, leve até ao céu, a memória dos que partiram e a luta dos que, apesar das lágrimas, voltaram a enfeitar de flores os beirais e a vestir as noites de luz.

Graça Alves